SOCIEDADE PORTUGUESA: LUZ E SOMBRAS

Reunidos em Comissão Provincial de Justiça e Paz e de Actividade Missionária da Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus, procurámos reflectir e analisar a actual situação da nossa sociedade nos mais variados aspectos. Da análise feita ficaram-nos muitas preocupações e outros tantos desafios.

O medo e a insegurança

É crescente este sentimento de medo e insegurança, que caracteriza sobretudo a vida das populações que habitam as grandes cidades e suas periferias.

Já não se reporta apenas ao período nocturno nem afecta somente a população mais idosa. Uma leitura, mesmo que superficial, dos jornais ou uma escuta atenta dos noticiários de rádios e televisões dão-nos conta disso mesmo: assaltos a qualquer hora do dia e a qualquer tipo de pessoas.

Há valores que são permanentemente postos em causa e que levam a esta situação: a desagregação das famílias, a pouca importância dada na educação ao respeito pelos mais velhos e pela autoridade, o irrelevante destaque dado à educação para a cidadania, transmitindo aos adolescentes e jovens a noção dos seus direitos, mas quase esquecendo os seus deveres na construção da sociedade.

É uma situação preocupante, também porque são escassas as forças de segurança que encontramos pelas ruas das nossas cidades e as que encontramos sentem-se muitas vezes impotentes para agir. Há um sentimento generalizado de impunidade, que leva a esta facilidade com que se praticam estes pequenos furtos e outros crimes, muitas vezes levados a cabo por pequenos grupos de adolescentes.

Urge reforçar a segurança na via pública e conceder às forças de segurança uma maior autoridade, que as torne capazes de agir com maior eficácia e lhes permita pôr de imediato cobro às situações mais prementes.

Estado da saúde, da educação, do serviço social...

Há um descontentamento generalizado em relação aos cuidados de saúde que são dispensados nos estabelecimentos hospitalares públicos ou similares.

São intermináveis as listas de espera, nomeadamente no que a cirurgias diz respeito. Não há consultas de especialidade e em muitas aldeias do interior é muito difícil encontrar um médico que assista os doentes nos mais elementares cuidados de saúde.

Há bons médicos e boas clínicas, mas que apenas estão ao alcance das bolsas mais fartas. É urgente reformar o sistema de saúde em Portugal, acabar com as monstruosas listas de espera e pôr termo a esta enorme desigualdade entre os que têm possibilidades económicas para usufruir de bons cuidados médicos e os que estão dependentes de uma qualquer consulta sempre marcada para as calendas.

Não é muito mais animador o panorama da educação e ensino. Nas escolas os professores sentem uma grande dificuldade, por se verem revestidos de uma ténue autoridade. Em muitos casos as turmas são demasiado grandes e não funcionam os famosos currículos alternativos nem existem os propalados serviços sociais e psicopedagógicos.

Há um grande absentismo escolar, sobretudo a partir do 3º Ciclo do Ensino Básico, talvez porque faltem cursos mais técnicos e com vista a preparar os alunos a uma determinada profissão.

Há em muitas escolas um clima de grande insegurança, provocado tantas vezes por adolescentes e jovens que trocaram a escolaridade pelos vícios, pela mendicidade ou pela delinquência.

São grandes as franjas de pobreza existentes no nosso país, nomeadamente em redor das grandes cidades. Fazem delas parte a grande maioria dos idosos, que continuam a usufruir de reformas que são de miséria e que em muitos casos nem sequer dão para sobreviver. Estão também nesse rol um sem número de pessoas, normalmente jovens, envolvidas na droga, na prostituição, sem emprego, sem habitação.

Algumas medidas de apoio e de reinserção social foram tomadas. Mas parece-nos que estão ainda muito aquém do que deveria ser feito. É absolutamente indispensável um reforço das pensões, nomeadamente as mais baixas. E é fundamental um sério e persistente combate ao tráfico de droga e seu consumo, mais do tentar a posterior cura de situações que muitas vezes já não têm remédio.

Comunicação Social

Preocupa-nos seriamente o rumo que têm tomado alguns órgãos de comunicação social, sobretudo alguns canais de televisão. Parece-nos que se perdeu o sentido do ridículo e se promove o vazio, a falta de qualidade e de seriedade.

Têm sido postos em causa ou mesmo desprezados valores que fazem parte do nosso próprio património cultural secular. Promove-se a brejeirice, o imediato e o sensacionalista, recorrendo, se necessário for, aos mais inimagináveis estratagemas. Parece que o único objectivo é mesmo conquistar o maior número de espectadores para com isso obter o maior lucro, pouco interessando que para isso se deite mão da exploração dos sentimentos mais íntimos e do sofrimento dos outros.

Os nossos noticiários muitas vezes mais parecem filmes de guerra ou uma qualquer promoção de violências e de escândalos quando, afinal, há tantas coisas boas que também podiam ser noticiadas.

Uma comunicação social assim não promove a cidadania, não educa as pessoas e deforma sobretudo as gerações que vão mais tarde assumir a responsabilidade de governar e continuar a construção deste país.

Uma comunicação social assim não serve os verdadeiros interesses das populações, apenas as distrai. E qualquer comunicação social deve sentir-se vocacionada a servir os superiores interesses do público a que se dirige.

Por tudo isto, parece-nos urgente a tomada de medidas que visem estabelecer bem os critérios que definam os limites do admissível e do tolerável, nomeadamente em televisão. Não se pode pôr em causa a dignidade da pessoa nem invadir de forma exacerbada a sua privacidade ou explorar, denegrir ou expor na praça pública os seus sentimentos mais íntimos.
 

A Comissão de Justiça e Paz e Actividade Missionária
da Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus