DOSSIÊ CENTRAL

EM NOME DO PAI E DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO

Diego Carminati
Presidente dos Dehonianos de Albino, Itália

Em nome do Pai

“Homem de realizações” - Todos vocês sabem o que é a saudade, aquela espécie de nostalgia profunda que todo brasileiro sente por suas cores, odores, paisagens de sua terra, fonte de inspiração para tanta música e poesia.

Emprego aqui o termo relação para indicar o objeto de nossa saudade pessoal, a nostalgia profunda, dramática e vital, do abraço de Deus.

O dehoniano vive uma relação íntima de contemplação do Pai. A relação com o Pai é a paisagem da alma dehoniana, sua casa, sua dimensão mais verdadeira e realizadora, sua identidade profunda. João, no prólogo de seu evangelho,1 define o Filho enquanto tal somente em relação ao Pai. “No princípio era o Verbo. E o Verbo estava junto a Deus”. Em grego, a expressão indica estar voltado para, estar face a face com o Pai, ter Deus como objeto de referência, sem o qual todas as coisas e o próprio Filho careceriam de sentido.

Voltemos ao evangelho.

Jesus faz tudo em nome do Pai, refere-se a ele com termos infantis, ensina a chamá-lo com este nome, canta sua misericórdia, seu amor, sua intimidade: “O Pai ama o Filho e entregou-lhe todas as coisas...”. “Eu neles e tu em mim, para sejam perfeitos na unidade e o mundo saiba que tu me enviaste e os amaste como amaste a mim”.2

O Filho revela a atitude dos filhos. O homem dehoniano é aquele que experimenta, prega e vive esta relação de ternura e confiança no Pai.

Os profetas já haviam chamado a atenção para o sentido original da predileção divina. Leão Dehon os imita quando percebe no amor o ingrediente básico desta eleição.

Toda a história do Antigo Testamento é uma história de uma busca apaixonada da amada por parte do amante. Valha-nos a esplêndida lição dos Cânticos. Não por acaso é o livro mais próximo da sensibilidade humana ao falar do amor.

Nunca é demais decantar a fidelidade incondicionada, o zelo de Deus pelo homem, sua constante preocupação, sua dedicação em educar no amor um povo que trai, como se Ele não pudesse viver sem esta companhia.

Talvez seja por isso que os textos sacros descrevem Deus a passear no jardim, após a criação do homem, a procurá-lo. “Onde estás?”,3 é o grito que ainda hoje ecoa no coração do todo Adão, perdido atrás das imagens enganadoras do sucesso, do dinheiro, do apego às coisas, atrás da ilusão da auto-suficiência.4

Penso que o dehoniano deva ser no mundo aquele que torna a propor as maravilhas de um Deus que acompanha o homem, o homem da aliança matrimonial como Deus-amor, aquele a quem nada tem sentido a não ser estar face a face com o Pai, aquele que realiza, que se torna imagem de Deus refletindo sua glória.

É no olhar do Pai que esta relação se realiza, no deixar-se perscrutar por quem nos conhece profundamente e penetra nas regiões mais desconhecidos por nós mesmos.5 O abraço abençoador do Pai torna-se o espaço da possibilidade humana. Tudo o que somos, nós o somos graças a este abraço.

Noé foi abençoado por Deus, e esta bênção valeu aos homens o compromisso de Deus pela fidelidade.6 Abraão foi abençoado por Deus e esta bênção proporcionou a esperança mais insensata: esperar da esterilidade uma descendência numerosa como as estrelas do céu.7

O dehoniano é aquele que vive da bênção de Deus, da preocupação de Deus, de suas atenções. É o homem da bênção em duplo sentido: aquele que é abençoado e aquele que abençoa.

Coberto pelas atenções do Pai, é aquele que enche o mundo com sua atenção. Objeto da misericórdia do Pai, sabe abraçar as feridas e a pobreza da humanidade. É o homem que reconhece a fonte de toda alegria, vida e canto. É o homem que revive a cada dia a admiração dos passos de seu Deus pelo jardim.

É o homem que acolhe na confiança o dom que Deus faz de si mesmo. Neste auto-reconhecimento consiste a atitude de fé, a fé que permitiu a Abraão deixar tudo e partir, a Moisés, libertar-se, a Jesus, morrer.

O dehoniano deveria ser aquele que, a exemplo de Abraão, Moisés e Jesus, escolhe o Pai, compromete-se com Ele e se responsabiliza por Ele. É o homem da fé, entendida como atitude que mede a intimidade com Deus. A alteridade de Deus torna-se paradigma de toda definição de si. Não posso me declarar e definir senão no Pai.

Não posso amar, sofrer, esperar, trabalhar, senão sob a luz desta relação que me define. Somente então, meu agir torna-se significativo a Deus, alegoria do amor vivido e encarnado. Acho que este é sentido do Reino que Jesus sentia. Acho também que era isto que Pe. Dehon entendia como abandono, a confiança incondicionada como resposta à fidelidade divina.

É a necessidade profunda de amor que nos deixa ser carregados. Deus não pode não amar, porque decidiu assim. Isto nos deixa certos de sua ternura. Sua palavra ainda nos ilumina: “Estou tranquilo e sereno. Como uma criança nutrida e reclinada nos braços de sua mãe...”.8

Não se trata de um abandono que acomoda. A liberdade de Deus que ama compromete nossa liberdade de amar.

Leão Dehon via o abandono como disponibilidade livre e responsável ao projeto de Deus. Citando a carta aos hebreus: “Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo... Então eu disse: Eis que eu venho”. O Ecce venio do dehoniano deve permanecer esculpido em sua carne porque só a carne autentica o amor. No fundo, é a lógica da encarnação.

A relação com o Pai não é acomodante e consoladora. É a experiência do Getsêmani e da cruz, que nos ensina a viver na solidão e na dúvida atroz e nos abre horizontes antes impensados, estradas de solidariedade sempre novas. É na aparente ausência do Getsêmani que o Pai revela o infinito poder libertador de sua ternura.9

Homem da reconciliação - Aqui passa-se a um ponto controvertido da espiritualidade dehoniana: a reparação.

Uma re-leitura deste aspecto, típico de Pe. Dehon, libertou-o de uma compreensão de caráter penal: Jesus morreu daquele modo porque era a única maneira para satisfazer a ofensa feita pelo homem no paraíso. A culpa original só podia se expiada por alguém que tivesse as prerrogativas divinas, para dar valor à expiação, como se Deus estivesse sedento de vingança e compensação, mais do que de amor.

Se o homem vive dentro da relação com o Pai, a bênção divina faz dele um reconciliado. O dehoniano é homem de reconciliação, reconstruído pela alegria de Deus, pacificado e bem-aventurado pela ternura e benevolência.

A re-criação que o olhar de Deus sobre o homem, olhar de amor eterno, produz é o sentido da reparação. É o amor do Pai que reconstitui a fragilidade humana as divisões profundas do coração, os fragmentos do pecado, restituindo ao homem a imagem original de criatura amada e amante.

Mais uma vez é o Gênesis a vir em nosso socorro: “Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”.10 Acho que a reparação seja uma obra de reconstituição da identidade original. Reparar é reconstruir o homem. É o processo de humanização que nos envolve em primeira pessoa em nossa disponibilidade e solidariedade para com todos.11

Esta é uma necessidade urgente de nosso tempo sempre mais mergulhado no cientificismo tecnológico que esvazia de sentido as expressões mais profundas de nossa humanidade. Basta citar a proposta clínica do útero artificial. Milhares são as situações de degradação do ser humano, mostradas todos os dias nos jornais e na tela da televisão. Lembro a pedofilia, a violência, a desonestidade difusa que ganha ares de liceidade. A lista pode ser alongada.

O dehoniano deve, na minha opinião, ser um homem das bem-aventuranças, da paz profunda em Deus, o homem reconciliado e reconciliador, cooperador do Pai no refazer a todo instante o homem.

Mais uma vez encontramos na Palavra de Deus o esperança: “Eu vos aspergirei com água pura e sereis purificados, vos darei um coração novo, tirarei de dentro de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne”. E ainda: “Eis que eu derramarei sobre vós meu espírito e revivereis. Colocarei nervos em vós e farei crescer a carne, vos cobrirei de pele e infundirei o meu espírito e revivereis”.12

A relação com o Pai nos transforma radicalmente, restituindo-nos forma e beleza, pele e nervos. Lembro que a Palavra insiste numa dimensão muito concreta. Realmente, “na carne”, para usar a expressão bíblica, o Espírito Santo nos faz homens novos.

O dehoniano tem a tarefa de refazer, na carne, os cadáveres humanos que povoam o nosso tempo. Isto significa repensar a ética a serviço do homem, repensar a família, a política, as relações sociais, o trabalho, a escola. Tentemos voltar ao evangelho e ver que idéia de homem orientava a ação de Jesus, que tipo de homem ele imaginava e queria construir.13

Em nome do Filho

Homem sinal - O compromisso pela reparação nos conduz ao coração da reflexão. Em que lugar a relação do Filho com o Pai se torna verdade? Qual é a medida de sua compaixão?

As narrativas evangélicas se concentram num evento: a cruz. Ela é o sinal de Cristo, a abertura que possibilita, ainda hoje, o encontro com Deus. Leão Dehon escolheu este sinal como distintivo de sua fisionomia espiritual e no-lo deixou em herança.

A contemplação do lado aberto foi para ele a fonte de sua incansável atividade. Assinalado por aquele drama de ternura, ele conseguiu ensinar os homens de seu tempo.

O dehoniano é o homem que vive este duplo valor da cruz: sinal da doação de Cristo, crucificado para sempre em todos os gólgotas humanos, e testemunha de atenção e solidariedade com o mundo. Marcado para ensinar, para viver do sinal. Esta é a característica específica do dehoniano. Neste sentido, somos homens de esperança.

Pode parecer estranho, paradoxal, falar de esperança lá onde ecoa, ainda hoje, o grito de desespero do Filho: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”14

É o próprio filho que, na ausência do Pai, descobre a dedicação total, incondicionada, que o faz viver como filho. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.15

No momento mais trágico a relação é restabelecida. Jesus, homem, vítima da desumanidade dos homens, é reparado pelo Pai e lhe é restituída a dignidade filial.

O golpe da lança rasga o véu do templo, revelando o rosto do Altíssimo.16

Para procurar o Pai devemos olhar o lado aberto: “Quem me vê, vê o Pai”.17 Leão Dehon tinha entendido: “Meu coração está no centro de minha humanidade; vir ao meu coração é o meio para possuir-me integralmente e para possuir Deus ao mesmo tempo, porque eu sou o Homem-Deus”.18

A contemplação da Palavra o havia feito intuir que somente ali tudo se esclarecia. Ali o Deus da antiga Aliança vivia sua última epifania. Numa conferência, Pe. Ducci afirma: “O lado do crucifixo tornou-se a fonte prometida por Deus para os últimos tempos, fonte aberta no peito do Messias para o coroamento da história. Aquele golpe de lança que visava eliminar o Messias ao término de sua obra voltava-se contra todas as expectativas humanas e abria uma fonte de vida divina. Não foi o soldado que a abriu, foi o próprio Deus. Ele a abre para emanar o espírito, dom da Trindade ao mundo”.19 Ali a vida do Filho recuperava seu sentido.20 Ali a vida de cada homem pode recuperar seu valor.21 Somente do alto da cruz é possível compreender a história. O dehoniano é o homem da esperança e da profecia porque pode falar da cruz. Estar próximo a Deus nos confere uma linguagem divina, este é o caráter profético da nossa vocação.

Padre Dehon via na adoração a contemplação do dom do Pai na cruz, simbolizado no lado aberto.22

O lado aberto não é apenas o único caminho para chegar ao Pai. É também, a única estrada que a misericórdia divina percorreu para atingir o homem. Não há Deus senão aquele revelado na cruz.

O dehoniano, contemplando o drama desta relação de amor é absorvido pelo coração de Deus. A cruz é um selo com o qual o cristão é assinalado, marcado a ferro em brasa e não pode mais se esquecer de Deus. Jeremias diz isto: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir, em meu coração arde um fogo, eu queria apagá-lo mas não consegui”.23

Homem da Palavra - O dehoniano será então o homem das palavras, não daquelas palavras insignificantes e vazias, tão comuns nos meios de comunicação e nas nossas conversações, mas de palavras autênticas e válidas ao mundo de hoje.24 Leão Dehon foi um forte comunicador e escolheu este meio como forma de apostolado. Ele abriu escolas, fundou jornais, inseriu-se profundamente no ambiente cultural de seu tempo para ser uma voz ativa, uma palavra entre as palavras.

Não podemos subtrair-nos à necessidade de falar. Precisamos descrever o homem de novo, assim como Deus pensou, com Deus quis, assim como Deus o ama.

Somos destinatários de um anúncio que interpela nossas responsabilidades de sermos também portadores de mensagens fortes para o homem contemporâneo. O homem nunca falou tanto quanto hoje, entretanto, está traindo uma de suas tarefas que é a de dar nome às coisas no jardim da criação.25

O dehoniano é o homem das palavras novas, o homem dos nomes, é um poeta no sentido pleno do termo, aquele que cria, com sua palavra, assim como Deus disse e as coisas passaram a existir.

Não é palavra vazia, a do testemunho. É uma realidade que se constrói na história e que adquire uma identidade profunda desejada pelo Pai.

Assim, como a primeira palavra do Pai deu forma ao que era informe, deu realidade ao nada, a palavra do dehoniano tem a tarefa de restituir forma e semelhança humana a quem está desfigurado, de restituir a vida em situações de morte, através de palavras que digam ao homem perdido de hoje, qual seja sua vocação e seu destino. Como a palavra inicial foi pronunciada sobre o abismo,26 toda palavra nossa deveria estar acompanhada do silêncio.

Pode parecer um paradoxo, mas a história de Jesus testemunha que as palavras mais importantes nascem de silêncios prolongados. Ele, que era a Palavra do Pai, se afastava a um monte e se retirava ao silêncio.

Ungaretti escreveu uma poesia para descrever a novidade da palavra do poeta; “Chega o poeta / e vem à luz com seus cantos / e os pronuncia. / Desta poesia / não resta-me quase nada do inexaurível segredo”.27 A palavra nasce lá onde o homem tem a coragem de se aprofundar no abismo secreto da vida. Dali ela emerge, carregada de significados para o homem.

O inexaurível segredo do dehoniano não é outro senão o mistério do coração aberto. Dali, do silêncio da contemplação, nascem as palavras de nosso testemunho que podem ainda dar um sentido ao homem contemporâneo.

Para Jesus este deve ter sido a experiência de Nazaré, tão cara a Leão Dehon. Trinta anos de silêncio. Trinta anos de imersão no coração do Pai para vir à tona com palavras de esperança para os homens da Galiléia e da Judéia.

Trinta anos de meditação no silêncio de Deus para poder pronunciar a única palavra que não precisava de sons: a oblação ao Pai na cruz. “Eis que eu venho para fazer a tua vontade...”.

Palavra que é carne e sangue, compromisso e luta que nada poupa. Palavra que é vida que desabrocha ao longo das estradas dos homens, nas famílias, no trabalho, em toda a parte, ecoando nas relações de hoje a mesma palavra que o Pai pronuncia desde sempre: o homem Jesus28 e nele todo homem.

Em nome do Espírito

Homem das relações - Chegamos assim ao que torna verdadeira a palavra: a vida.

Partimos da relação com o Pai que nos constitui homens e chegamos ao que vivemos a cada dia: as milhares de relações da vida.29

Chegamos ao outro, a Deus, somente passando pelos outros. Somente somos homens através do homem. Realizamos em plenitude nossa humanidade na relação com os irmãos. A filosofia de nosso século repete que o outro é a categoria que nos define.30 Bastariam as palavras do evangelho: “Ama teu próximo como a ti mesmo”.31 E ainda: “Tudo o que tiverdes feito a um destes meus irmãos menores é a mim que o fizestes”. João comenta em sua primeira leitura: “Quem não ama o irmão que vê não pode amar a Deus que não vê. Este é o mandamento que recebemos dele: quem ama a Deus, ame também seu irmão”.32

Depois de Jesus não podemos mais falar no singular. O discurso cristão é palavra de fraternidade e de comunidade. É exemplo vivo de comunhão e dedicação. O dehoniano é o homem da caridade que faz história, homem da palavra que se torna gesto, trabalho, família.

A primeira relação com o Pai, vivida na contemplação do coração de Cristo, deve se traduzir nas relações com o homem. Ai de nós se esquecermos o homem.

Nosso tempo está a nos demonstrar que as barbáries produzem as escolhas que não partem do homem e não visam ao homem: fundamentalismos, biotecnologia, armamentos, políticas familiares distorcidas.

O dehoniano deve fazer uma revolução: numa sociedade dominada pelo individualismo exasperado, deve tornar a propor o “nós” como único espaço humano e vital para o homem. O desafio do próximo milênio é restituir a dignidade a cada ser humano. Este foi o desafio de Jesus e a estrada de Leão Dehon. É o desafio da Igreja de hoje.

Movidos por este Espírito de Deus que nos conduz às estradas dos homens, somos chamados a ser homens do Espírito, que vivem no estilo de Deus, nutridos pela Palavra encarnada em Jesus.

Criados pela ternura de Deus, devemos criar, tornar real o mundo como Deus o imagina. O lado aberto é o projeto do Pai a respeito do homem, que Leão Dehon assumiu como seu. É nossa missão encarná-lo na terra em nosso dia-a-dia. No mesmo espírito de fé e de confiança, no abandono que Maria, chamada a colaborar no projeto de Deus, demonstrou ao responder: “Ecce ancilla Domini....segundo a palavra”.33

Homens do Espírito que tornam-se guias, mestres, companheiros dos homens na estrada que leva da competição para a compaixão, do medo à intimidade, de fechamento è fecundidade da vida.34 Homens do Espírito. Homens novos, capazes de levar o alívio da solidariedade e da fidelidade de Deus ao mundo, como a brisa da tarde.

Homens do perdão, da vizinhança, que reclamam para si a predileção do Pai. Homens que devolvem aos homens o sentido da dor, da solidão, da morte, não por masoquismo, mas para definir os limites de nossa responsabilidade. Encarnar-se é assumir aquilo que é típico de nossa fraqueza, inclusive as feridas. Jamais poderemos curar o homem se não aceitarmos ser curados de nossas feridas.35

A tomada de consciência de nossa fragilidade é o pressuposto de qualquer serviço de amor. Jamais poderemos compreender e perdoar de verdade nossos irmãos se não experimentarmos o perdão do Pai por nós. Só olhando no rosto, com sinceridade e coragem, nossa miséria pessoal, seremos capazes de acolher a graça e a misericórdia de Deus e, portanto, de crescer no dom aos nossos irmãos.

O dehoniano acolhe o homem na sua totalidade, ama-o, acompanha-o porque sabe que nesta aproximação transparece o amor do Pai por cada um.

O dehoniano deve ter a coragem de estar com o povo, sem recear sujar-se as mãos, nas escolas, nos escritórios, nas famílias, onde estivermos, nas calçadas, nos asilos, nas periferias urbanas, nos lugares mais sofridos. Ser dehoniano é um caminho sem volta. Pe. Dehon expressou isto acrescentando o voto de vítima aos outros três.

A doação não tem limites. O amor não tem fronteiras. Ser dehoniano é relacionar-se com os últimos. É a escuta da solidão, é a companhia da noite humana, é a compaixão pelas feridas, é o carinho pelos desesperados.

É a luz nos abismos do silêncio e do medo que frequentemente dominam os corações dos irmãos. É o rumo nos caminhos dispersos, é a mão estendida nas quedas.

É amor de carne e de terra, que constrói, com paciência infinita e constante, o Reino de ternura.

Conclusão

O esforço destes últimos anos é de encontrar caminhos concretos para expressar a sensibilidade do espírito que nos possui. Angelo Bramati queria uma virada em nossa Associação na direção de aprofundar o carisma dehoniano.

Diversos grupos presentes no último encontro (de leigos dehonianos) estão estudando como um leigo pode caminhar nesta direção. Nós os seguimos.

Façamos com que a memória do passado não seja apenas uma ocasião de festa e de celebrações das graças, mas torne-se uma conversão do coração, um estilo de fraternidade e partilha para uma renovação quotidiana no Espírito.

NOTAS

1. Cf. Jo 1,1ss.

2. Cf. Lc 15, 11-32; Mt 6,12.14-15; Jo 1, 14-16; 3, 355; 17, 23-26.

3. Gn 3,9

4. Interessante reflexão a partir destes versículos foi feita por Martin Buber, Il cammino dell’uomo, Qiqaion, Magnano, 1990.

5. Cf. Jer 1,5; Sl 138.

6. Gn 9, 1-17.

7. Gn 15, 1-19.

8. Sl 130.

9. Sobre o significado trinitário da cruz, cf. Fr. Ducci, Dio Trinità d’amore - Introduzione alla spiritualità del Sacro Cuore, Bologna 1995/96.

10. Gn 1, 26.

11. Sobre a solidariedade, cf. F. Ducci, La solidarietà in Dio, Bologna, 1996.

12. Ez 36, 24ss; 37,6.

13. São ilustrativas as curas que Jesus operou.

14. Mt 27,46; Mc 15, 34.

15. Lc 23,46

16. Mt 27,51; Mc 15,38.

17. Jo 14, 8-9.

18. Leão Dehon, Si all’amore nel cuore di Gesù, Milano 1985, 35.

19. F. Ducci, Il cuore del Salvatore, Bologna 1997, 15.

20. Em Lc 23, 47 o centurião exclama: “Verdadeiramente este homem era o justo”, e em Mc 15, 39: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus”.

21. Cf. tudo está consumado, em Jo 19, 30.

22. “Não vemos Jesus, mas ele está ali. Nossa fé o vê. Seu coração é um coração de amigo e de irmão” (L. Dehon, Si all’amore nel cuore di Gesù, Milano 1985, 238).

23. Jer 20, 7-9.

24. Lembro aqui a leitura e reflexão da Dei Verbum.

25. Gn 2, 19.

26. Gn 1, 1-2; Jo 1,1ss.

27. G. Ungaretti, Il porto sepolto, em “Vita di un uomo. Tutte le poesie”, Mondadori, Milano 1969.

28. Cf. Jo 19,5.

29. Uma reflexão de caráter poético se encontra em M Bellet, Incipit o dell’inizio, Servitium, 1997

30. É a lição de autores como Heidegger, Levinas e outros.

31. Mt 22, 39.

32. Mt 25, 40; Cf. Jo 2, 9-11; 3, 10.14-17; 4, 20-21.

33. Lc i, 38.

34. Somos iluminadores os textos de H. J. M. Nouwen, Vivere nello Spirito, 1995; Nella casa della Vita, 1996: Nel nome di Gesù, 1997; Invito alla Vita Spirituale, 1998, todos da Queriniana.

35. Cf. H.J.M. Nouwen, Il guaritore ferito, Queriniana, Brescia, 1992.