HISTÓRIA E MEMÓRIA

O ITINERARIO HUMANO E ESPIRITUAL DO P. DEHON
SEGUNDO OS RITMOS DA EVOLUÇÃO MENTAL

Antoine Werlen (GA+LW)

O ano passado o P. Antoine Werlen enviou-nos um ensaio dactilografado no qual interpreta o itinerário humano-espiritual do P. Dehon seguindo os ritmos da evolução mental. Como se trata de um texto bastante volumoso, com anexos também bastante desenvolvidos, pedi-lhe que expusesse aos nossos leitores, os critérios ou os autores nos quais se inspirou. Aqui vai a resposta: é uma introdução à leitura da sua obra (N.d.R.).

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Longeville, 2 de Março de l999

Caro Padre,

Na tua carta do 02.02 que recebi há oito dias dizes que querias conhecer os meus projectos. Estes não faltam. Já há cerca de dois anos que me “retirei” na minha nova comunidade de Longeville... e posso, finalmente, ordenar os meus numerosos apontamentos colhidos ao longo de cinqüenta anos de pesquisa (porque o meu temperamento é o de um pesquisador). E sempre mais me apercebia que este trabalho era necessário.

Consideremos, por exemplo, o meu ensaio, bem original, de biografia do P. Dehon. Este trabalho não pode ser compreendido senão por alguém que esteja a par das descobertas certas do meu estudo sobre a evolução mental. O meu estudo, com efeito, permite seguir a evolução mental de uma maneira muito exacta, dado que se baseia em testes de comportamentos, feitos por Gesell, em numerosas crianças nas proximidades de seus aniversários sucessivos desde a idade de cinco anos até aos dezasseis. Cuanto scriba, todos os estudos sobre a evolução mental parecem referir-se a eles e apreciá-los.

Aqui vão três de minhas descobertas, após numerosos ensaios: a primeira, é a das fases secundárias cujo número aumenta em cada período e que, assinalando-as, explicam muito simplesmente a complexidade progressiva e a sua duração crescente e até, para meu grande espanto, o seu ritmo perfeitamente regular. Além disso, a caracterologia de “LE SENNE” permitiu-me relacionar 4 (e não 3) meios fundamentais que, subordinando-se progressivamente, explicam a natureza daqueles menos especificados até então, que aparecem nos períodos seguintes, indo dos dezassete aos trinta anos (os quais verificava ao estudar minuciosamente, neste sentido, numerosos diários pessoais bem datados, como podes ver nos meus Anexos). Daqui a possibilidade de uma “caracterologia natural”, fundada sobre a própria evolução mental. Notaste que a apliquei ao P. Dehon e nos Anexos, a muitos outros também.

A segunda descoberta, foi a duma evolução semelhante à da grande história. A 1 ano do desenvolvimento mental do indivíduo corresponde um século da história da humanidade. Após tê-lo verificado na era cristã, pude verificá-lo também na era bíblica. Aí apercebi-me somente que a evolução do homem não tinha terminado, já que faltava ao último período da era bíblica 14 fases (ou seja mais de 150 anos). O estudo do P. Dehon deve ter presente necessariamente a época em que se encontrava e as fases diferentes desta época pelas quais ele passava. Algumas passagens do meu estudo sobre a era cristã (cerca de 300 p.) aludem a elas.

O P. Chiarello entregou-te, certamente, os meus estudos acerca da subida do homem e acerca da era bíblica. Não creio que se esteja verdadeiramente persuadido da minha maneira de proceder, senão se leu atentamente estes dois estudos e, antes de mais, aquele que os fundamenta, o da evolução mental. O grande trabalho que fiz desde a minha chegada a Longeville foi o de, precisamente, tornar a juntar os meus numerosos apontamentos passados numa maneira que desejaria fosse “pedagógica” (um pouco como o Manual Social do P. Dehon).

Neste momento estou a fazer o mesmo com a era cristã. Chegamos novamente a um período de “corresponsabilidade” (a esta décima segunda por onde passa a adolescência). E toda a gente procura encontrar o pequeno lugar activo que lhe agrada no vasto mundo (e na Igreja). Para adivinhar um pouco o nosso futuro “humano”, o melhor meio é pô-lo em relação com a subida mental do indivíduo e também com os séculos de história bíblica pelos quais o homem passou após o ano 1000. É que a humanidade já percorreu muitas vezes os períodos que nos esperam, com uma anotação suplementar para cada era. É esta última que me esforcei de pôr em evidência no começo do meu estudo da era cristã, a fim de dar, em seguida, a sua característica a cada um dos doze períodos (ou 75 fases que ela já abrange).

Talvez te lembres do meu artigo publicado em “Dehoniana” 2 e 3 de 1981: A Nossa espiritualidade à prova do tempo. É nesta óptica que foi escrito. Em 1970 o P. Ledure tinha lançado uma pequena revista policopiada intitulada Partilha e Pesquisas. Nelas já figurava um artigo a respeito do P. Dehon (em Janeiro de 1970) cujo título exprime muito claramente o sentido das minhas pesquisas: Contexto histórico dos inícios da Congregação. Os nosso padres alemães publicaram-no na sua revista (Blatter der Einzeit, 1971, 3/4 e 1973, 1). Sem o renegar totalmente, as minhas pesquisas ulteriores permitiram melhorá-lo bastante.

Mas é a terceira descoberta, que me parece a mais útil, aquela que, por outro lado, precedeu as outras duas ( e que, a rigor, pode ultrapassar a segunda). São as 7 moradas do Castelo da alma de Santa Teresa que me fizeram abordar a subida da alma à sua escola e me levaram a reconhecê-las nos períodos da evolução mental. Em contacto com os alunos das nossas escolas apostólicas de Neussargues e de Raon, l’Étape a partir de 1950, esforcei-me por ver não somente o carácter de cada um, mas também a etapa mental pela qual eles passavam e também, em parte, a morada espiritual em que se encontravam. E para este último ponto o livro da “evolução religiosa dos adolescentes” do irmão das Escolas cristãs Louis Guittard (492 p.) ajudou-me bastante. Ele completou, felizmente, as primeiras etapas espirituais, bastante descuidadas por santa Teresa. Ela insistiu sobretudo na 4ª, 5ª e 6ª moradas que introduziam à vida contemplativa e mostravam a natureza tão diferente das precedentes. Entretanto, com razão, ela não soube distinguir suficientemente as subetapas, os “apartamentos” da última. Ela se alongou na descrição dos favores extraordinários que Deus lhe dava com profusão para afirmar a sua notoriedade, pondo-os, certamente, no seu justo lugar, ajudada neste aspecto por S. João da Cruz.

Mas o meu estudo parece-me particularmente importante para as almas de boa vontade que entraram nestas Sextas moradas. Verifiquei que muitas pessoas entravam nelas desde a sua maturidade natural aos trinta anos. Ora, em que consistiam estas moradas? Simplesmente Deus começava, então, nelas, a submeter ao seu Espírito as forças mentais ( naturais) que tinham adquirido a partir da sua adolescência ( pelos 13 anos e meio). Compreende-se que esta adolescência espiritual deve durar muito tempo já que sucessivamente as 6 etapas da adolescência natural e as 6 etapas da juventude natural se relacionam. 12 sub-moradas, portanto, compreendendo cada uma dezoito fases secundárias (menos a última que tem apenas 5)! É o que tentei pôr em evidência no P. Dehon... e mais sucintamente em alguns outros “espirituais” (ver Anexos).

Segundo estes espirituais, procurar Deus, não é mais encontrá-l’O no exterior, mas neles mesmos, um Deus muito vivo (neles), que se manifesta de vez em quando (neles), quando Ele quer “divinizar” um pouco quer a sua maneira de se comportar (34), quer a de intervir no seu meio (43). Eles aceitam abandonar, assim, um pouco, sucessivamente, a sua maneira pessoal de sentir (134), de julgar (234)... na qual faziam consistir o seu eu profundo (tão simples e sempre idêntico) e descobrem progressivamente neles um super-eu que quer conduzir a sua existência de uma maneira soberana que ultrapassa totalmente a sua. E é para eles o início da noite do Espírito, isto é, da noite do seu eu, numa passividade sempre maior dele, mas também num abandono e numa paz cada vez mais profundos.

A minha análise da evolução mental punha em evidência a actividade característica do homem que consistia simplesmente, unicamente, em estender a consciência do seu eu à dos outros, mesmo desde a sua mais tenra infância. Além disso, graças à divinização progressiva pela qual Deus quer enriquecer o homem desde o seu nascimento, também esta consciência de si mesmo permite-lhe abrir a consciência do seu eu à do seu super-eu que por ele será percebido como Deus-Pai que desde sempre o persegue com o seu amor, quando o faz participar na sua espiração activa do Espírito de amor. Chegará o dia em que ele se abrirá a um Deus-Luz, quando o Filho o fizer participar também, da sua própria visão do Pai, na sua Sabedoria. Ele penetrará, enfim, totalmente no gozo destas inspirações do Espírito de amor que descobre em si, a partir de agora, mas na penumbra da fé. A maneira de se comportar e de intervir será semelhante então, à de Deus. Amará os outros à maneira de Deus através destas moções mais ou menos numerosas que Ele lhe inspira, a ele e aos outros, que, por seu lado, serão felizes de lhas relevar. E isto será, para todos, o Paraíso.

Eis caro Padre, os “projectos”, que me ocupam inteiramente neste momento. A nossa Casa, que é semelhante à de Mougins 2, não tem nem Fax nem acesso à Internet.

Obrigado pela tua carta. Fraternalmente

Antoine Werlen

P.S. Saudações especiais para o P. André Perroux. Estou a lembrar-me, agora, que o P. Leclerc, quando era provincial, submeteu-lhe, em 1975, a leitura de um dos meus numerosos trabalhos sobre a Subida da alma. Encontrei-o, aliás, entre as suas coisas, após a sua morte. Li com interesse o seu último livro sobre o P. Dehon, assim como o seu estudo sobre a Reparação Acolhimento do Espírito, tema que eu mesmo tinha abordado no meu artigo supracitado de Dehoniana. Pode ser que o verniz científico com que pintei o meu trabalho da vida espiritual do P. Dehon o convide a perder um pouco do seu tempo para o reler... com coragem e, quero crer, também com um certo interesse...

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Do mesmo autor ver o artigo: “A nossa espiritualidade SCJ à prova do tempo”, Dehoniana 1981, 118-124 e 160-170 (N.d.R.).

(Trad. P. José Vieira Alves - LU)