DOSSIÊ CENTRAL

RELIGIOSOS E LEIGOS NA IGREJA

LEIGOS E LAICIDADE

NA IGREJA E NO MUNDO

Andrea Tessarolo (IS)

O termo “leigo” (laico) deriva do grego “laós”, que significa “povo”. Na Bíblia, porém, o termo “laós” (povo) indica habitualmente o “povo de Deus”, o povo da aliança; para indicar os outros povos, se usa, ao invés, “ethne” (daí “etnico”), e em latim “gentes” (daí “gentios” ou pagãos).

A forma derivada, “leigo”, não se encontra nem no AT, onde os fiéis são designados como “tementes a Deus”, nem no NT, onde, ao invés, são chamados fiéis, ou irmãos, ou também cristãos.

A palavra “leigo”, na Igreja, aparece pelo fim do I século, na Carta de São Clemente, num contexto negativo e polêmico: indicava aqueles que, na Igreja, não tinham o poder de governo, poder reservado aos clérigos.

Essa acepção “negativa”, depois, torna-se comum. Em particular, o monge Graziano, grande jurista, escreve (pelo ano 1000): Duo sunt genera christianorum: há duas espécies, duas categorias de cristãos: os clérigos que se ocupam das coisas sagradas (de igreja); e os leigos, que se ocupam das coisas do mundo. Toda a história sucessiva é marcada por esta visão dualista na Igreja, de modo que os fiéis leigos, embora façam parte da única igreja, não podem ocupar-se das coisas de igreja. O caminho, para se chegar a uma compreensão mais ministerial de toda a Igreja, foi longo e difícil.

Ainda em 1839, o pro-núncio da Santa Sé, na Bélgica, escrevia, preocupado, à secretaria de Estado: “Estamos, infelizmente, numa época em que todos se crêem chamados ao apostolado” (cf. AA.VV., Conselhos pastorais, associações e grupos, AVE, Roma 1973, 86-87). Também no século XIX, o próprio cardeal Newman foi admoestado pela Santa Sé por ter-se expresso publicamente sobre o problema da escola católica. E ainda em 1930, foram negados os sacramentos a Silvio Riva e Gesualdo Nosengo porque ousavam falar e escrever sobre catequese. O maestro Silvio Riva, nos anos ’70 nos contava que, a esse fato, ele deve a sua vocação ao sacerdócio. Para poder falar e escrever sobre catequese!

Entre muitas dificuldades, iniciou-se, a partir do século XIX, uma inversão de tendência com alguns movimentos leigos de voluntariado; primeiro com iniciativas de caridade e de defesa da Igreja e do Papa contra os ataques dos laicos (as Conferências de S. Vicente, as Oeuvres des Cercles catholiques na França, na Itália a Opera dei Congressi, etc....), e depois também com iniciativas como a Ação católica, a JOC, etc., iniciativas qualificadas como “participação dos leigos no apostolado hierárquico”. O apostolado, com efeito, era considerado prerrogativa exclusiva do clero; aos leigos se poderia conceder certa colaboração, mas, “por delegação” e como participação numa tarefa tida como própria da hierarquia.

Diversos teólogos, nos anos ’50, intervieram para fazer reconhecer também aos leigos o pleno direito de participar da missão da igreja “em virtude de seu batismo” e não apenas “por delegação” da hierarquia.

Mas, foi preciso aguardar o Concílio Vaticano II para superar definitivamente a mentalidade vertical e redescobrir a Igreja como “mistério de comunhão”, pelo qual todos os batizados, clero e leigos, participam do direito (naturalmente cada um por sua parte) à vida e à missão de toda Igreja.

Leigos e laicidade na política

Em âmbito sócio-político, os termos: leigo, laicidade, laicismo são usados para indicar a plena independência, no pensar e no agir, de autoridade eclesiástica. Muitas vezes, fala-se também de imprensa leiga (laica) ou cultura leiga (laica), enquanto “prescindem” de todo “credo” religioso, que, aliás, dizem respeitar. Mas, não obstante as declarações verbais, a expressão conserva uma certa conotação polêmica.

Todavia, liberando essas expressões de certo toque negativo e polêmico, que herdaram da história, descobrimos, na laicidade, alguns valores que são fundamentais e irrenunciáveis para o homem contemporâneo. Citamos alguns:

- divisão e respeito das funções e tarefas: na política, clara distinção entre o parlamento que faz as leis, o governo que as aplica, e a magistratura que vigia sobre sua observância. Particularmente importante é a autonomia do político do religioso; da ciência da fé, ... e vice-versa...

Cada um, portanto, no seu campo, é livre, mas também responsável; faz as suas opções baseado na sua competência profissional, assumindo toda a responsabilidade; ... escolhe e age de modo autônomo, sem receber ou sujeitar-se a ordens de centros de poder estranhos. O contrário seria se o político recebesse ordens do bispo; ou de um poderoso industrial; ou de um mafioso sem escrúpulos, etc.

Portanto, verdade sobre o homem e sobre as coisas; uma verdade buscada com fadiga e sempre verificável; por isso, é “proposta”, mas, não imposta em nome de uma ideologia indemonstrável; verdade da qual ninguém tem o monopólio, mas para a qual todos tendemos através da busca, da análise, do diálogo, do confronto... Respeitando também quem discorda da decisão tomada.

Laicidade, portanto, segundo a ética da razão e do respeito mútuo, segundo a ética do possível e da gradualidade nas coisas; ... uma ética à altura da pesquisa científica e com elevado professionalismo, que, porém, sabe tirar proveito mesmo de hipóteses sempre reformáveis; ... e é capaz de agregar preferências através do consenso solicitado e obtido democraticamente.

Laicidade próxima daquela que o Vaticano II chama a “justa autonomia das realidades terrestres” (Gaudium et Spes, 36).

Laicidade que Voltaire exprimia com estas palavras: “Eu detesto, Senhores, as vossas opiniões; mas lutarei até o fim para que possais sustentá-las livremente”.

Leigos e Laicidade na Igreja

Ponto de partida da doutrina da Igreja, no passado, era o conceito jurídico de “sociedade” hierarquicamente constituída. No seu interior, portanto, estava prevista uma clara repartição de tarefas: duma parte o clero, ao qual era reservada toda autoridade, o magistério, e o poder sacramental; doutra parte os fiéis praticantes, a igreja discente, os leigos, a quem cabia, sobretudo, ouvir e obedecer. Também nas paróquias, o relacionamento entre leigos e padres punha-se, sobretudo, em termos de obediência. Era pacífico, com efeito, que da Igreja deviam ocupar-se só os padres, enquanto o campo de atividade dos leigos era o profano, o “temporal” (família, trabalho, comércio, etc.). Só depois de longas discussões, concedeu-se a algumas associações leigas, como a Ação católica, “colaborar no apostolado hierárquico”, como se dizia então. De fato, o apostolado era considerado obra reservada ao clero, por isso, os leigos eram admitidos por deferência ou por necessidade, e somente “por delegação” e com tarefas unicamente supletivas e sempre subalternas.

Uma contribuição determinante, para superar essa situação e lançar as bases para uma exata “teologia do laicato na Igreja”, veio de Yves Congar, que em 1953 publicou Jalons pour une théologie du laicat, logo seguido de outros autores como Chenu, Philips, Thils, Schillebeeckx, Pavan, etc. O tema, portanto, se impôs, de forma inteiramente nova para a eclesiologia do Vaticano II, e, de modo mais específico, no capítulo IV da constituição dogmática “Lumen Gentium”.

A elaboração desse capítulo, como da inteira constituição, é o resultado de longas e pacientíssimas pesquisas. No esquema preparatório (primeiro), o leigo era definido: 1. Alguém que pertence à Igreja (elemento genérico); 2. Que não é nem sacerdote nem religioso (elemento negativo); 3. Que está empenhado nas coisas temporais, mas como cristão (dado específico, mas visto como risco). A definição foi considerada insatisfatória pela assembléia conciliar, porque caracteriza o leigo só de forma negativa: um que não é nem padre nem religioso...

Elaborou-se um segundo esquema no qual o leigo é definido: 1. Alguém que pertence à Igreja; 2. Cumpre no mundo a missão do inteiro povo de Deus; 3. Combate com vigor os desejos terrenos... Note-se a grande novidade: a missão do leigo é a mesma do inteiro povo de Deus; mas a secularidade é vista ainda como “tentação” a ser combatida e não como valor a ser assumido... Foi necessário recorrer a um terceiro esquema para se ter também a secularidade expressa em termos positivos, com que é reconhecida como missão a cumprir, dando-lhe sentido cristão, e também como elemento específico da espiritualidade leiga; o cristão leigo, de fato, deve santificar-se, não malgrado (isto é, combatendo a secularidade), mas, mediante e através da secularidade, interpretada e vivida na fé.

Com estilo lapidar, o Vaticano II retoma dizendo: os leigos são “...fiéis que, pelo batismo incorporados a Cristo... pelo que exercem sua parte na missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo”. E depois acrescenta: “A índole secular caracteriza especialmente os leigos” (Lumen Gentium, 31).

Nestas poucas linhas temos a descrição muita precisa da identidade eclesial dos leigos.

Identidade que é definida por uma dupla e simultânea referência (ou elemento) que é: 1) a condição batismal (adesão a Cristo); 2) a condição secular (pertença à sociedade dos homens). Condição secular, vivida na fé; e condição batismal, vivida na secularidade. É este seu modo de “ser igreja”; e que os define como “fiéis” (crentes): é um dado sociológico e, simultaneamente, teológico e sacramental que: 1. os abre à comunhão com Deus na igreja; 2. e, ao mesmo tempo, os habilita a agir no mundo “como fiéis”, isto é, encarnando em sua vida o espírito do Evangelho.

Também a sua missão se define a partir dessa realidade: uma missão, portanto, que não deriva de uma qualquer “delegação eclesiástica”, mas deriva e se funda na realidade de seu “ser fiéis leigos”; fiéis, e portanto são igreja; fiéis no mundo, portanto a secularidade como estilo de viver sua fé e sua missão. E sendo plenamente igreja, essa sua missão não concerne apenas as coisas temporais, como se costumava dizer antes do Vaticano II (cf. doc. “Evangelizzazione e ministeri” da CEI (Conf. Ep. It.), § 72).

A missão da Igreja é única, e dela participa, no seu todo, cada batizado, leigos ou clérigos; a missão compreende: acolher com fé a Palavra; celebrá-la na liturgia; vivê-la e testemunhá-la na caridade. Naturalmente, cada um o fará no modo que lhe é próprio. Ambos, porém, isto é, o clero e os leigos, devem sentir-se empenhados tanto na vertente “igreja” como na vertente “sociedade”. Falando dos leigos, se acentua, de modo particular para eles, a tarefa de levar para a igreja o coração do mundo, e levar para o mundo o coração da igreja.

A Igreja, Povo de Deus

Um sinal da virada eclesiológica, que nos levou a superar a rígida concepção piramidal da Igreja, herdada da Idade Média, foi quando o terceiro capítulo da Lumen Gentium sobre “povo de Deus” foi colocado como segundo, e, ao invés, foi colocado como terceiro o capítulo que trata da constituição hierárquica da Igreja. Isso devia exprimir a convicção que, para compreender a verdadeira natureza da Igreja, é preciso partir da categoria “povo de Deus”, que compreende todos os batizados (clero, religiosos e leigos), e, portanto, todos são “sujeitos” da tríplice função: profética, sacerdotal e régia que caracteriza a Igreja.

Nesta formulação, repetida depois em todos os capítulos seguintes (bispos, presbíteros, diáconos, leigos ...), foi fácil situar também a teologia do laicato, que amadurecera nas décadas imediatamente precedentes. E o uso tão freqüente de tais fórmulas, da parte do Concílio, apareceu à maioria como um sinal de serena e tranqüila legitimação.

“Neste sentido, o capítulo 4° da LG e o decreto sobre “O apostolado dos leigos”, dão a nítida impressão de exprimir coisas óbvias e de repetir coisas já conhecidas ... E com isso também ficaria claro um dos motivos, pelos quais, alguns anos depois, se observa certa diminuição de interesse pela teologia do laicato: alcançada a meta, não se via porque ainda lutar” (L. Sartori, em S.Dianich, ed. “Dossier sui laici” 1987, p.42).

Mas, o Concílio não parou no capítulo 4° da LG, ele abriu muitas outras perspectivas, e hoje o tema parcial do laicato integra o contexto das novas temáticas, e segundo uma ótica de integralidade e de plenitude. De fato, é preciso perguntar-se o que possa significar para todo o povo de Deus, e portanto também para os leigos, a Dei Verbum (a Bíblia colocada na mão de cada fiel); e assim também a constituição sobre a sagrada Liturgia (o Cálice, também ele posto em mãos de todos os cristãos) abonando a doutrina que “sujeito” da Eucaristia é a inteira assembléia celebrante (naturalmente, no pleno respeito dos diversos ministérios, e entre estes o mais importante: o da presidência). Assim, a pesquisa teológica e sapiencial, destes últimos anos, está pouco a pouco revelando as potencialidades escondidas nestas duas decisões, que restituíram “Bíblia e altar” ao inteiro povo de Deus. Daí resultou um empenho de todos, em todas as frentes. Por isso, agora também a teologia é de todos; também a hermenêutica da fé, que interpreta a história e os sinais dos tempos, é de todos e envolve a todos; também o testemunho da caridade é responsabilidade de todos!

Uma outra pista significativa, para a pesquisa teológica e pastoral, foi aberta pela decisão de reconstituir o diaconato, como grau distinto do sacramento da ordem. Da ordem do diaconato, com efeito, se passou à diaconia global da própria Igreja, e depois dessa, aos carismas e ministérios multiformes que o Espírito de Cristo distribui com abundância entre o povo de Deus. Restabelecido o diaconato permanente, passou-se a reformular os “ministérios permanentes”, infelizmente, fechados para as mulheres; por isso, não podendo parar a meio caminho, foi homologada também a expressão: “ministérios de fato”, isto é, ministérios suscitados na Igreja pela ação sempre vária e imprevisível do Espírito Santo, mas não necessariamente ligados à estrutura sacramental da Igreja.

No documento dos bispos italianos dedicado a esse tema, são chamados “ministérios de fato, os ministérios que, sem títulos oficiais, cumprem, na prática pastoral, importantes e constantes serviços públicos à Igreja” (doc. “Evangelizzazione e ministeri”, 1977, n.67). É interessante notar que esse documento sobre os ministérios foi publicado como conclusão de uma série de outros documentos, dedicados aos diversos sacramentos. Quase a indicar, comenta o teólogo L. Sartori, que a estrutura básica da Igreja é precisamente a carismática e ministerial.

Uma Igreja para o Mundo

O debate mais vivo e mais interessante, a respeito dos leigos na Igreja, desdobrou-se, portanto, no campo da missão. E aqui, não podemos deixar de mencionar os grandes temas da evangelização (AG), do diálogo (UR e NA), da cultura, da paz, etc. (GS), que representam o campo extenso no qual têm seu espaço os carismas e a criatividade de todos os batizados.

O redescobrimento da missão encontra-se enunciado, em estilo incisivo, no n. 1 da mesma LG; é uma afirmação que serve de proêmio, não só à constituição sobre a Igreja, mas, na verdade, a todo o Concílio, quando afirma: a Igreja é “sacramento”, isto é, sinal e instrumento da união dos homens com Deus e entre si. Uma Igreja, portanto, colocada entre Cristo e os povos, em vista da comunhão ... não só dos homens entre si, mas e sobretudo dos homens com Deus.

Temos, assim, uma Igreja que se define, não mais só como comunidade de salvos, mas, antes, como comunidade salva e salvadora, i.é, uma comunidade de pessoas que se reconhecem salvas em Cristo, mas contemporaneamente também empenhadas em fazer chegar a todos o dom da salvação: uma responsabilidade imensa que envolve a todos os membros da Igreja, e por isso, todos, indistintamente, devem reconhecer-se salvos, mas também chamados a colaborar para que a mensagem evangélica da salvação possa chegar a todos os homens e a todos os povos.

Nesse contexto, o laicato, entendido como porção de Igreja ao lado do clero e dos religiosos, não pode mais ser considerado apenas como “igreja receptiva”, isto é, de fiéis, chamados e dotados somente em vista da própria salvação.

A Igreja, por vocação e por sua natureza, é “missionária”. “Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar ... A Igreja nasce da ação evangelizadora de Jesus e dos Doze. ... Nascida da missão, (ela) é por sua vez enviada. ... A comunidade dos cristãos, realmente, nunca é algo fechado sobre si mesmo. Nela, a vida íntima não adquire todo o seu sentido senão quando ela se torna testemunho, a provocar a admiração e a conversão e se desenvolve na pregação e no anúncio da Boa Nova. Assim, é a Igreja toda que recebe a missão de evangelizar, e a atividade de cada um é importante para o todo” (“Evangelii nuntiandi”, 1975, nn. 14 e 15, passim).

Esse discurso, que na EN de Paulo VI é dirigido a toda a Igreja, na exortação “Christifideles Laici” de João Paulo II, ao invés, refere-se diretamente aos fiéis leigos que “pertencem àquele povo de Deus que é representado na imagem dos trabalhadores da vinha ... Ide vós também, diz o Papa; a chamada não diz respeito apenas aos pastores, aos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, mas estende-se aos fiéis leigos: também os fiéis leigos são pessoalmente chamados pelo Senhor”. E citando o Concílio declara: “O sagrado Concílio pede instantemente no Senhor a todos os leigos que respondam com decisão de vontade, ânimo generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo”. ... Depois prossegue acentuando que “o significado fundamental” do Sínodo sobre os leigos foi: “que os fiéis leigos escutem o chamamento de Cristo para trabalharem na sua vinha, para tomarem parte viva, consciente e responsável na missão da Igreja, nesta hora magnífica e dramática da história ... Novas situações, tanto eclesiais como sociais, econômicas, políticas e culturais, reclamam hoje, com uma força toda particular, a ação dos fiéis leigos. Se o desinteresse foi sempre inaceitável, o tempo presente torna-o ainda mais culpável. Não é lícito a ninguém ficar inativo” (cf. ChL 1988, nn. 1-3).

Mas o discurso sobre a missão não pode ficar desligado do tema do diálogo, tanto o ecumênico quanto o inter-religioso. A Igreja, precisamente porque habitada pelo Espírito, deve sentir-se “parte” (mesmo que central) de um mais amplo projeto da presença e da ação da Trindade na história. O projeto de Deus, com efeito, inclui, dentro duma única história, tanto os espaços e os tempos da Igreja de Cristo, como os devidos à ação de outros sujeitos, tais como as religiões não cristãs, as culturas e os humanismos de outros povos (cf. “Diálogo e anúncio”, 1991, nn. 26-29).

Sobre o tema do diálogo em geral, podemos dizer que existe um substancial acordo, um estilo de relacionamentos e de atitudes que atestam a disponibilidade também para receber e não só para dar. E nessa frente, a contribuição do laicato pode tornar-se determinante. Objeto particular de pesquisa, com efeito, são hoje as aplicações concretas da esperança histórica nos diversos setores do humano. Por exemplo, os problemas como fé e cultura, fé e política, solidariedade cristã e fome no mundo, justiça social e globalização da economia, etc. Poderíamos continuar a lista dos temas que dizem respeito à teologia do laicato, consultando os últimos capítulos da Gaudium et Spes, pois é precisamente para o amplo leque dos temas da missão, como o anúncio, o diálogo, a inculturação da mensagem e a sua encarnação na vida, etc., que todos os membros do povo de Deus, são, hoje, como que provocados.

Os Leigos co-responsáveis por toda a Missão da Igreja

A Igreja está no mundo para a vida do mundo: esta é a sua missão. E não se pode estar associado à vida da Igreja, sem ser associado também à sua missão. No passado, insistia-se muito na diferença entre missão da hierarquia: ensinar e governar, e a missão dos leigos: ouvir e obedecer. No máximo, falava-se de “colaboração dos leigos no apostolado hierárquico”.

O Vaticano II, embora reafirmando uma substancial diferença entre sacerdócio ordenado e sacerdócio batismal, insiste no fato que o inteiro povo de Deus é, juntamente, povo profético, sacerdotal e régio. Por isso, cada batizado, desde que participa da vida de Cristo, participa igualmente da sua tríplice função: profética, sacerdotal e régia.

A comunhão de vida e de graça torna-se, assim, comunhão de missão e co-responsabilidade. Não há problema do clero que não seja, de alguma forma, também problema dos leigos, e vice-versa. Naturalmente, não no sentido que todos tenhamos a mesma competência, mas no sentido que cada um tem o direito-dever de dar seu contributo pessoal para uma apropriada solução do problema em questão.

O fato que todos têm o direito de dizer sua palavra sobre cada um e qualquer problema, que diz respeito à vida e à missão da comunidade, não quer dizer que todos sejam igualmente sensíveis e competentes, ou todos na comunidade tenham o mesmo poder de propor ou de decidir. Daí compreende-se como é importante estabelecer e respeitar determinadas competências e, sobretudo, recordar que o Espírito do Senhor jamais visa a oposição ou a divisão, mas sempre e só a reconciliação, a colaboração e a paz.

Também a teologia do laicato e a ação dos leigos, portanto, situa-se dentro do único sujeito que é a comunidade eclesial, onde são muitos os carismas e os ministérios, mas todos são devidos a um único Deus e Senhor, e todos, por isso, devem ser ordenados ao crescimento da Igreja na caridade.

Dentro desse mesmo assunto, um teólogo recente nota que, se a laicidade é um valor, esse é intrínseco à fé cristã, e comum a todo o povo de Deus, comum a cada fiel, seja clérigo seja leigo. Sob esta perspectiva, portanto, a laicidade não acrescenta nada ao fiel, não lhe pede nada de mais ou de diverso daquilo que é o compromisso da fé, que só é autêntica quando encarnada na vida e a serviço da vida do mundo, na caridade. E isso vale para todo cristão, simples leigo, ou presbítero, ou bispo que seja; e isso vale para a própria Igreja. Ora se é esta a condição fundamental do cristão, deduz-se que a laicidade deve marcar a inteira existência de cada batizado, qualquer que seja a sua função e a sua configuração jurídica. Antes, devemos dizer que é precisamente esta característica da laicidade, isto é, de envolvimento livre mas responsável com os problemas e os dramas da história, que permite também à Igreja operar nos vários setores (civil, social, político ...), com a liberdade própria da ação contingente, sem a obrigação de dever apelar, cada vez, para certezas de fé.

Se também a laicidade, como todo outro valor autêntico, deve ser comum a todo fiel e a toda a Igreja, isso não significa querer a anulação da teologia do laicato, assim como o fato de a “consagração” ser efeito específico do batismo não impede a promoção de uma teologia da “vida consagrada”. O fato de a laicidade ser comum a toda a Igreja, acentua ainda mais a importância que devem dar a este valor, aqueles que o escolhem como característica distintiva de sua vida de fé.

De resto, todos, hoje, estão convencidos da importância que tem a ação dos leigos na vida e na missão da Igreja. A sua presença e ação, lê-se no decreto AA do Vaticano II, são de tal modo necessárias que, sem elas, não haveria igreja; e a própria ação dos pastores, sem elas, ficaria ineficaz (cf. AA, n. 10).

Mas é preciso que eles venham a empenhar-se numa presença ativa, como protagonistas. Não somente para fazer número ao redor do bispo, mas para contribuir para a construção de uma comunidade cristã de perfil mais leigo, e por isso também mais acreditável... E se olharmos para a qualidade de tantas nossas comunidades e associações presentes na Igreja, temos de reconhecer que resta ainda muito a fazer para amadurecer cristãos leigos que tenham o sentido real e profundo da laicidade, saibam dar dela testemunho significativo. Laicidade entendida como competência, como autonomia responsável, como coerência com as verdades da fé, mas também com a verdade das coisas, sem deixar-se apanhar nem pela ideologia nem pelo servilismo... Só vivendo com verdadeira competência e profunda participação os problemas e os dramas do mundo contemporâneo, poderão tornar também a comunidade cristã mais sensível aos problemas e aos sofrimentos, mas também às alegrias e esperanças da humanidade.

(Traduzido por P. Emílio Mallmann - BM)