MEMORIA HISTÓRICA

OS CATÓLICOS NA ÍNDIA, DE 1577 A 2000

Javier López Andoño (HI)

1577 - 1599: Diamper

Na primeira metade do século XVI, os bispos nestorianos não tinham podido chegar à Índia. Então, em 1577, o arcebispo nestoriano Abrahão, residente em Angamale, foi enviado pela patriarca de Bagdá. Abrahão submeteu-se a Roma para cair nas boas g raças dos portugueses.

O P. Valignani, provincial dos jesuítas, não perdeu tempo: mandou fazer uma blitz evangelizadora. O resultado é que o arcediácono nestoriano, morto o bispo, submeteu a si todas as igrejas latinas. Interveio então o arcebispo de Goa, Aleixo de Menezes. Houve então o sínodo de Diamper. “A comunidade de Malabar apresentava deficiências na liturgia. Um catecismo ajudaria a sanar isto”. O arcebispo nomeou bispos latinos para as dioceses malabares. Reza ainda o dito sínodo: “O arcebispo Menezes obrigou os nativos a destruírem seus livros litúrgicos e a reformar a liturgia segundo o rito latino e a aceitar os bispos por ele nomeados”.

Tais medidas, somadas à ambição do arcediácono e a outros males levaram a um cisma em 1653. Tomás de Campo foi proclamado bispo por doze sacerdotes malabares, em substituição a Menezes. O prelado apela a Goa, em vão. Vai então a Roma.

A vez dos carmelitas

Alexandre VI decidiu mandar missionários carmelitas para tentar a unificação, eles que já tinham experiência e aceitação naquelas terras.. Para maior garantia de alguém chegar, dois foram por mar, dois por terra. Os que foram por terra chegaram antes, pois os que foram por mar detiveram-se um ano em Lisboa, tanto que gostaram da cidade.

Apenas chegados, os carmelitas tentam convencer o dito arcediácono a renunciar, mostrando as bulas e tudo o mais que haviam trazido. Ele, de teimoso e ambicioso que era, não cedeu. Os carmelitas vão a Goa, queixar-se ao bispo, mostram suas credenciais e tentam a unidade nos povoados.

Os carmelitas conseguiram a adesão a Roma de algumas comunidades. Estas, porém, nada queriam com o arcebispo Menezes. O P. Sebastiani, de volta a Roma, presta conta de suas gestões, e é nomeado administrador apostólico e secretamente sagrado bispo para não ferir o Padroado português.

De volta à Índia, consegue a adesão de mais algumas comunidades. Somente 33 delas ainda eram fiéis ao arcediácono, que nunca voltou atrás.

A vez dos holandeses

Quando tudo ia pelo bem, ou parecia, aparecem os calvinistas holandeses. Manu militari vão subjugando os povoados da costa meridional. Em 1662 tomam Cranganor e Cochin, último baluarte lusitano. Os batavos expulsam os missionários, inclusive o bispo Sabastiani. Quando quase tudo do catolicismo estava destruído, propuseram um acordo que era a coisa mais conveniente para seus negócios.

Roma, então, manda quatro carmelitas. Mais tarde, no decurso do século XVIII, chegam outros missionários. Os holandeses passam a tolerar os missionários desde que esses não sejam portugueses.

Na reta final

Os malabares, teimosamente, não se dão por vencidos: querem ter seus prelados. Em 1778 enviam a Roma dois padres, Paremmakal e Kariatil, sendo que este acabou nomeado bispo de Cranganor, de curto pastoreio, pois morreu em 1786, em Goa. Paremmentakl sucedeu-o como administrador apostólico e morreu em 1899. Durante seu governo quase todos os malabares se renderam. Em 1838 Gregório XVI suprimiu as sedes de Cranganor e Cochin: todos os católicos malabares passarem a depender da sede de Verapoli. Suportavam contrariados as ordens de uma autoridade de rito latino e tentaram um prelado próprio por intercessão do patriarca caldeu José Audo VI. Este mandou-lhe um bispo caldeu, Tomás Rokos, o qual, por sua vez, não teve o beneplácito da Santa Sé e teve que regressar para a Mesopotâmia, de onde nunca devia ter saído. Depois, em 1874, veio o bispo Mar Elias Mellus que recusou-se a obedecer a Roma e formou sua comunidade, a qual persiste até os tempos de hoje, sempre perto do mar. São uns 5 mil fiéis, chamados melusinos.

Os católicos malabares nunca desistiram de ter um bispo a seu gosto. Em 1887 foram criados dois vicariatos apostólicos, sempre com prelados de rito latino. Só em 1923 foi constituída uma hierarquia malabar que, em 1956, foi desdobrada em duas sedes: Ernakulun e Changannacherri. Dest’arte ficou definitivamente resolvido este qüiproquó de ritos que se arrastou por mais de três séculos.

Os malankares

Os malankares constituem uma Igreja de rito oriental, unida a Roma desde 1930. Tem sua origem nos cristãos jacobitas, separados de Roma em 1635, quando adotaram o rito siríaco-antioqueno. No fim do século XIX os jacobistas começaram a se mexer em busca de unidade. Seu metropolita, Dionísio, faleceu antes de ver tal unidade concretizada. Em 1919, um sacerdote, Mar Ivanios fundou uma confraria religiosa, com ramos masculino e feminino, sob a bandeira da imitação de Cristo. Consagrado bispo em 1925, decretou um sínodo, em 1926, para promover a união a Roma. O sínodo autorizou-o a negociar com o Pontifice romano, com a condição de preservar o rito antioqueno e, é claro, que os bispos fossem mantidos em suas sedes. O Vaticano aceitou mas só dois dos cinco bispos cumpriram o prometido: o próprio Ivanios e um amigo seu. A 20 de setembro de 1930 professaram fidelidade à Igreja romana e começava uma nova era para esta Igreja unida, chamada de Malankar, para distinguir-se da outra, chamada Malabar. O rito da Igreja Malabar é siríaco-antioqueno ao passo que o da Malankar é siríaco-armênio ou siro-oriental.

Nos dias de hoje

Pela primeira vez na história da Igreja da Índia o presidente da Conferência Episcopal é um bispo de rito minoritário siro-malabar, D. José Powatil, arcebispo de Changannacheri, Kerala. Trata-se de um importante gesto de reconciliação entre os ritos católicos da Índia.

D. Powatil, taxado de “chauvinista” por alguns, trata de contemporizar. “Muitos me acusam de proclamar a independência da Igreja da Índia. Nós temos três ritos, o que deve-se à nossa história. Quando destaco este fato nunca o faço em detrimento do rito latino”.

A honra de ter o presidente da conferência nacional de bispos chega num momento de tensão na Igreja Malabar e sua irmã latina. São tensões resultantes da liturgia e da missão. Uma carta expressa o ponto de vista siro-malabar: Os números mostram o tamanho da missão neste país. São 14 milhões de católicos e 453 milhões de pagãos. Existe um preconceito em todo o país, sobretudo no norte, segundo o qual a presença do catolicismo indiano deve-se a uma imposição do colonialismo europeu. Apresentado sob a forma de cristianismo ocidental, com culto em latim e costumes cristãos ocidentais, a Igreja é considerada estrangeira na Índia. Ao contrário, a liturgia siro-oriental da Igreja malabar, originária da Pérsia e da Mesopotâmia, adaptou-se melhor à mentalidade hindu e representa um modo de vida asiático que coincide em muitos pontos com o modo de viver hindu, chegando a integrar-se como parte da cultura deste país. Por sua parte, a Igreja Siro-malabar tem vantagem em relação ao desafio da evangelização. Para tanto basta que goze em todo o país da mesma liberdade que usufrui no estado de Kerala e em alguns territórios. Quem mais se opõe são os católicos não orientais. Os católicos de rito latino não querem que os bispos de rito oriental ocupem-se das necessidades espirituais dos seus fiéis que vivem em território de jurisdição latina. Menos ainda desejam que eles estendam sua atividade missionária a lugares ainda não evangelizados.

1996 - Sínodo

De 8 a 15 de janeiro de 2000 celebrou-se, em Roma, o sínodo da Igreja Siro-malabar. Os pontos principais eram as missões, a liturgia e os seminários. No fechamento do sínodo ainda não havia um acordo. Uma sessão extra, dia 16, permitiu um acordo temporário. A questão era as missões e o atendimento aos fiéis malabares fora de Kerala, e da própria Índia, onde eles são minoria. O mesmo diga-se em relação aos seminários. Acordo nenhum houve quanto à liturgia. Parte dos bispos são favoráveis a uma liturgia fiel à antiga tradição da Igreja Siro-malabar. A maioria deseja a incorporação das novidades do Concílio Vaticano II. A liturgia malabar é solene, porém prolixa, demorada para o ritmo da vida moderna.

Não tendo chegado a um acordo, fica tudo como estava antes e vai-se criar um instituto para estudar a questão da liturgia. Passados alguns anos vai-se retomar o diálogo num novo Sínodo. Quem sabe então vão se entender.

Ut sint unum

Nossos irmãos dehonianos, que abriram uma missão na Índia, têm como principal objetivo a evangelização desta imensa maioria de 97.5% que ainda ignoram Cristo. Haverão de promover as vocações num campo que promete ser fértil para o crescimento da Congregação em sua tarefa de evangelização naquele país.

Abre-se, todavia, uma nova perspectiva de trabalho tão cara a P. Dehon: sint unum, uma obra de reconciliação e aproximação entre estas Igrejas. Ao longo dos séculos ficaram evidentes as fraquezas humanas, a incompreensão que dificultou as relações entre elas. Hoje continua a ecoar o pedido de Cristo: sejam um, para que o mundo creia.

Lembrando as palavras do Papa, os pastores da Igreja continuam a precisar de muita santidade e sabedoria para edificar a paz e a fraternidade entre os seguidores de Cristo.

Que o carisma dehoniano da unidade venha a frutificar na Índia.