HISTÓRIA E MEMÓRIA

LEÃO DEHON E A HISTORIOGRAFIA ATUAL

Stefan Tertünte (GE)
O olhar dos outros

O que os historiadores não-dehonianos vêem no P. Dehon? Como o avaliam? Para responder foram escolhidas, no âmbito da história da Igreja, algumas publicações posteriores a 1991, fora do ambiente da Congregação (1). Foi naquele ano que houve o Colóquio sobre Dehon, em Paris, com posteriores publicações sobre ele, o que vem a ser elementos importantes para a pesquisa (2). Antes disso, a última biografia de P. Dehon foi escrita em 1989, pelo P. Manzoni.

Muitas destas citações confirmam o que foi escrito a respeito dele entre nós e, ao mesmo tempo, evidenciam algumas lacunas. Ora, sabe-se que toda historiografia filtra os fatos e ditos segundo a ideologia corrente. Assim mesmo, este confronto entre o que nós aprendemos sobre ele e o que os outros dele dizem é interessante e enriquecedor.

Fique bem claro que a pesquisa histórica está longe de ser completa mas é importante buscar dados e postos de vista fora da Congregação. Procuramos incluir as citações ipsis verbis, levando em conta que a maioria não terá acesso às fontes citadas.

Nestes escritos, P. Dehon é catalogado como um padre democrata. É nesta linha que ele desperta interessa fora da Congregação, sobretudo no período que se inicia com a Rerum Novarum (1891) e termina com a GravesdeComuni (1901). O contexto da apresentação é quase sempre o do catolicismo social francês da segunda democracia cristã.. Quase não se fala de seus escritos espirituais. A fundação da Congregação é mencionada também dentro do contexto referido. Sempre é ressaltado seu esforço pelo catolicismo social.

Fala-se muito de seu empenho pela divulgação das encíclicas e do êxito dele em torná-las populares.

No estudo “RerumNovarum - Mito e fato”, Andréa Riccardi, da Terceira Universidade de Roma, escreve a respeito da receptividade da encíclica:

“A doutrina social de Leão XIII teve efeito rápido. O Manual Social Cristão, de P. Dehon, publicado em 1894 e logo traduzido para o italiano por Toniolo, para dar um exemplo, familiarizou seminaristas e militantes leigos com o pensamento de Leão XIII e despertou a sensibilidade pelo social” (3).

Marco Agostini, da universidade de Bordéus, também situa P. Dehon no contexto da divulgação da doutrina social da Igreja. “Este documento (RN), no espírito do Papa e daqueles que genericamente se intitulam católicos sociais, deve provocar transformações, deve encontrar explicações e ser entendido pela maioria das pessoas. Enquanto os comentários gerais sobre esta encíclica são raros, trabalhos célebres, como o Manual Social Cristão de P. Dehon dão continuidade à obra e procuram tornar compreensíveis as linhas gerais e seu potencial” (4).

A mesma intenção de popularizar a ampliar a mensagem do Papa é percebida ainda por Jean-Dominique Durand, da universidade de Lion: “Liberando as energias e reconhecendo um papel significativo ao Estado, abrindo uma estrada aos sindicatos dos operários, a encíclica Rerum Novarum incentivou muito os democratas cristãos a agir concretamente, como propõe o Papa, a fim de aprofundar, ampliar e dar continuidade ao discurso pontifício. Exemplos desta iniciativas são os trabalhos de P. Leão Dehon e de P. Antoine Pottier”(5).

Em seu livro, Durand apresenta P. Dehon como protótipo de padre democrata, que se compromete pelo ensino social do Papa, afastando-se da monarquia, e esclarece a difícil posição da DC entre os católicos conservadores e os republicanos anti-clericais: “Se a tentativa de Albert de Mun, de fundar um partido em 1885 faliu, os anos noventa caracterizaram-se pela organização de um movimento democrata-cristão. Na sua base estavam os ditos padres democratas como Trochu, Calippe, Lemire, Naudet, Pastoret, Gayraud, Garnier, Dehon, Six. Trata-se de jovens sacerdotes, todos nascidos depois de 1850, muitos destes tinham integrado a “Oeuvre des Circles” e abandonado a causa da monarquia. Muitos escritos traduzem seu pensamento: P. Dehon, fundador da Congregação dos Padres do Sagrado Coração, capelão das obras da fábrica de Val-de-Bois, dirigida por Leão Harmel, publicou o Manual Social Cristão em 1894 e um catecismo social em 1898, tornando assim popular a Rerum Novarum....Estes encontraram violenta oposição, em especial da parte dos católicos monarquistas que os consideravam vermelhos, comunistas, enquanto que os republicanos viam neles apenas inocentes clérigos” (6).

Em seu estudo sobre a aceitação da RN em diversas regiões da França, Yves Marie Hilaire, da universidade de Lille, cita P. Dehon como um dos padres democratas, para os quais a RN era uma bandeira de compromisso: “A encíclica deu uma mexida geral no clero, em especial no clero jovem. O célebre texto de Georges Bernanos, em ‘Diário de um Pároco de Aldeia’, refere-se ao Norte onde o fenômeno dos padres democratas se fez mais percebido com Lemire, Six, Vanneufville, Bataille, Raux, Joncquel, Dehon” (7).

No fim de seu artigo, Hilaire afirma que Dehon pertencia àquelas personalidades da DC que assimilaram a definição papal da DC em Gravesde Comuni (1901): “Roma convida, pois, (após o fracasso dos católicos nas eleições de 1898 e a retomada da política anti-clerical de Waldeck_Rousseau e Combes) os católicos a mudar de atitude. A encíclica Graves de Comuni, bem aceita pelos padres Six, Vanneufville e Dehon, convida a DC a limitar-se a uma ação social caritativa. Os leigos passam a ser os protagonistas da linha de frente. É o momento em que Max Turmann e Georges Goyou difundem o vocábulo ‘catolicismo social’, segundo as observações de J. M. Mayeur” (8).

Em seu novo modo de abordar a história da Igreja, Mayeur, da universidade Sorbone, de Paris, apresenta outras perspectivas. No capítulo sobre novos modelos de pastoral do tempo de P. Dehon, ele enfatiza o esforço por uma compreensão moderna de pastoral. Mayeur inicia mostrando como a pastoral de então é inadequada, baseada num modelo de “paróquia rural, ainda não esgotada, mas enfraquecida em relação às novas formas de vida social...” e contrapõe a busca de “um novo sacerdócio, menos desconfiado dos contemporâneos, menos preocupado com política que com a inserção nos meios menos favorecidos...O itinerário de um jovem sacerdote, Leão Dehon, filho de um rico pecuarista de Thiérache, é igualmente significativo. Ordenado em 1868, na Roma do Concílio, que ele acompanhou de perto, nomeado em 1871 à basílica de São Quintino, um dos sete padres que trabalham por aqueles 35 mil habitantes. A fundação de um patronato, ao qual anexa uma escola secundária, traduz sua ambição de dar uma formação cristã global aos jovens. Através de uma pesquisa na diocese, e depois de ter participado num congresso sobre sindicatos operários, passa a colaborar com Leão Harmel. Logo sente a necessidade de aprofundar sua vida espiritual em comunhão com seus confrades. Este desejo se concretiza na fundação de um instituto de Padres do Sagrado Coração que Roma haverá de aprovar em 1884. Sem renunciar à perspectiva da vida mística, que orientava desde o início esta associação, prioriza o trabalho com os jovens e o compromisso social” (9).

Um aspecto pouco referido na história da Congregação é o anti-semitismo de P. Dehon.. Pierre Pierrard, do Instituto Católico de Paris, nomeia-o mais de uma vez entre as personalidades da DC que não abandonaram o anti-semitismo, como o fizeram mais tarde Lemire e Naudet. Eis uma citação: “Os católicos, que no fim do século XIX, formam a linha de frente do compromisso social, não estão isentos de desprezar e até odiar os judeus que consideram intrometidos na sociedade cristã. Aos colaboradores da revista anti-semita ‘França Livre’, de Lyon, juntam-se jornalistas da ‘Palavra Livre’ e alguns grandes nomes da DC: os padres Giraud, Dehon, Garnier, Lemire, Cetty, Naudet” (10).

Em outro livro, Pierrard dedica um capítulo ao anti-semitismo de Dehon, depois de apresentá-lo como um dos líderes da DC, em primeiro plano na ação social dos católicos franceses. Ele cita um trecho do Catecismo Social para ilustrar seu anti-semitismo no qual Dehon ataca sobretudo as atividades anti-clericais e econômicas dos hebreus. Afirma que as nações européias abandonaram a legislação anti-semita das gerações precedentes e inclui uma citação de Dehon ao firmar o excesso de liberdade concedido aos hebreus na legislação presente.

O anti-semitismo de Dehon dentro da DC é mencionado também por Mayeur num de seus artigos: “Com exceção de Naudet e Lemire, que tomaram distância e passaram mais à esquerda, o movimento dos sacerdotes democratas, incluindo personagens como Dehon, Gayraud, como a Cruz dos Assuncionistas....., apoiaram o antidreifusismo e o nacionalismo deste século” (12).

Uma menção à atividade jornalística de Dehon aparece num estudo de Yves-Marie Hilaire no jornal “La Démocratie Chrétienne” de P. Six: “Entre os colaboradores ocasionais da DC percebe-se o nome da maior parte dos padres democratas da região, os padres Lemire, Calippe, cuja contribuição é importante, Noel, Decrouille, Louis Glorieux, Bataille, Leleu, Cachera, Dehon...”(13) e na apresentação do conteúdo da revista: “No aspecto espiritual a influência de Dehon está presente com o Reino do Coração de Jesus, tantas vezes citado, mas sobretudo com os congressos e as atividades da Ordem Terceira que ocupam um lugar importante” (14).

Em seu livro, Paul Misner, na Universidade Marquette, nos EEUU, cita P. Dehon: dentro da DC Dehon era um dos propagandistas e organizadores que mais se distinguiram, uma garantia da ortodoxia da DC e crítico do capitalismo e da orientação tomada pela Ordem Terceira na questão social.

“O entusiasmo dos padres democratas, motivado pela publicação da RN manifestou-se sobretudo em duas atividades: como membros eleitos da Câmara dos Deputados e como propagandistas e organizadores.....Os principais propagandistas e organizadores foram os padres Paul Naudet, Théodore, Léon Dehon, Pierre Dabry e Paul Six....um grupo de personalidades, muito colorido e individualista para poder constituir um movimento unificado, menos ainda a ala clerical de um partido político católico. O que os unia era a presteza em obedecer a Leão XIII quando este intimou os padres a saírem das sacristias e ir ao povo...............

Leon Dehon, por sua vez, colaborou com Leon Harmel na formação dos padres e seminaristas em Val-de-Bois, desde 1892 com seminários semanais de verão. Para acolher 200 padres, levou-os à sua cidade, S. Quintino, em 1895. Enquanto era capelão da OCCO (Oeuvre des Cercles Catholiques Ouvriers - federação dos círculos católicos operários) introduziu Harmel na democracia cristã. Padre secular no começo, depois cônego, fundou a Congregação dos Padres do Sagrado Coração, que foram expulsos da França em 1901. Ao mesmo tempo ele servia como garantia e defensor da ortodoxia da DC. Sua reputação foi manchada pelo cargo de consultor do Index! Não é de se maravilhar que seu Manual Social Cristão, publicado pela Bonne Presse em 1894, tivesse a finalidade de defender com vigor a DC..............

Durante um Congresso internacional (da Terceira Ordem Franciscana), em Roma, em 1900, Dehon repetiu confidencialmente a condenação do capitalismo, mas o frade irlandês David Fleming, que ocupava cargos importantes na Roma papal, reconduziu a Terceira Ordem ao seu papel espiritual originário para que aquele sodalício não se tornasse um escola de sociologia e uma organização de promoção da política econômica, quando deveria ser uma escola de perfeição cristã” (15).

O esforço de P. Dehon para que a Terceira Ordem franciscana tomasse uma orientação social, entre 1893 e 1901, foi mencionada também por Burnod (16) que cita Dehon várias vezes.

“O cônego Dehon, nascido a 14 de março de 1843, fundador dos Padres do Coração de Jesus, manteve estreitos contatos com os dirigentes da Obra dos Círculos, em seus inícios. Ele publicou, em 1894, o Manual Social Cristão, redigido pela comissão de estudos sociais de Soissons, da qual era presidente. Ele será uma das figuras mais notáveis durante os congressos franciscanos” (17).

Em 1893 ele instaura, sob a guia de Leon Harmel, uma nova orientação social par a Ordem Terceira, que se consolida no encontro com um grupo de estudos em Val-de-Bois. Junto dos franciscanos, dos capuchinhos e de Léon Harmel “alguns membros do clero secular e alguns leigos estavam unidos a eles, por causa de sua competência social e de suas ligações com a Ordem Terceira. Encontramos os nomes de Garnier, jornalista e democrático, do cônego Dehon, superior geral dos Padres do Sagrado Coração de S. Quintino....”(18).

Apesar de seu equilíbrio, Dehon persiste nesta orientação da Ordem Terceira ainda em 1900 quando percebe-se já a falência destes esforços. Pela última vez, no congresso de Roma, de 1900, Burnod menciona o discurso de introdução de Dehon assim:”....Dehon pronuncia o discurso mais bombástico de todo o congresso” (19). Depois, ao longo de duas páginas comenta o discurso sobre a missão atual da Ordem Terceira e indica que o congresso rechaçou as idéias de Dehon através do P. Fleming como expressão da “força da ala conservadora, para não dizer reacionária, da Igreja.... uma derrota para o próprio Papa” (20).

Em livro que mostra o esforço pela formação dos cristãos no fim do século, a partir de obras de numerosas personalidades, Pierre Pierrard e Nicolas Pigasse fazem uma síntese do trabalho de Dehon.

“Entre os ‘padres democratas’ que, nos séculos XIX e XX, se empenharam por unir evangelho e justiça social, dois tiveram destaque maior.

O primeiro, Leão Dehon (1843-1925), fundador dos Padres do Sagrado Coração, de São Quintino. Este homem do Norte, que desenvolveu sua atividade sacerdotal na cidade operária de São Quintino, percebe com acuidade as mudanças que ocorrem na sociedade francesa, em particular a subida da classe operária, e também o declínio e impotência da pastoral da Igreja em relação à realidade social e cultural da época..

Seus estudos de Direito em Paris (forma-se advogado aos 21 anos), sua formação filosófica e teológica em Roma, conferem a Dehon uma grande abertura de espírito, um forte sentido de contemplação do lado aberto do Cristo na cruz. Fascinado pela RN, refere-se continuamente a esta encíclica para elaborar um verdadeiro pensamento social, uma prática pastoral e um projeto cristão sobre o homem e sobre a sociedade. O título da obra, que ele publica em 1901, “A renovação Social Cristã” mostra esta dinâmica. Seus contemporâneos não se enganam ao considerarem o Manual Social Cristão como um comentário autorizado da Rerum Novarum” (21).

Observações sobre alguns pontos:

Nestes textos todos fica claro que P. Dehon é citado na historiografia posterior a 1991 com um dos tantos que se ocuparam com o chamado catolicismo social. Alguns historiadores destacam seu lado específico: a pesquisa feita entre o clero de então, a busca de novos paradigmas de pastoral, sua atividade na formação do clero e dos jovens, seu compromisso pela fidelidade ao Papa e pela difusão de sua doutrina bem como o esforço por vincular o compromisso social com a espiritualidade.

Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que nos estudos sobre o catolicismo social francês do final do século P. Dehon não é mencionado, ou ele figura em segundo plano.

Deve-se levar em conta que em 1991, quando o Instituto Católico de Paris organiza o Colóquio - Rerum Novarum na França: P. Dehon e o compromisso social da Igreja - os relatores, como Mayeur, Hilaire, Durand, Augustin, citam-se a si próprios e aos outros presentes ao colóquio. O colóquio produz, assim, uma historiografia mais vasta (22).

Nas obras de Pierrard e Pigasse a presença de Dehon é quase nula.

Se a congregação deseja que Dehon continue a ser uma figura histórica deve-se tentar estimular os historiadores e facilitar o acesso ao material existente.

II. As pesquisas em torno da Democracia Cristã

Nas últimas décadas aumentou muito o interesse em torno da DC e isto vem a coincidir com as pesquisas sobre nossas origens..

Em 1975, Emile Poulat publicou um artigo intitulado “Por uma nova compreensão da DC” (23). O artigo se diferencia de outros que avizinham demais a DC ao catolicismo liberal.

Poulat, ao contrário, insiste que a DC não depende do liberalismo (católico) nem caminha em sua direção, embora ambos se preocupem com as mesmas questões. (24). Enquanto os católicos liberais tinham uma atitude conformista e exigiam que a Igreja legitimasse a nova sociedade, os adeptos da DC eram francamente não-conformistas “Os democrata cristãos aceitam somente a nova sociedade para adequá-la ao modelos deles: querem purgá-la de suas características originais, corrigi-la, educá-la e elevá-la a um estado superior” (25).

A DC apresenta, assim, o reformismo e o populismo como características próprias. O populismo está expresso no bordão “ir ao povo”, usado a toda hora. Esta busca do povo é aliança entre duas forças oprimidas: a Igreja e o povo. Revendo a unidade medieval entre Igreja e povo, na qual a Igreja defendia os interesses do povo e isto era reconhecido pelo povo, agora o povo está afastando-se da Igreja. Para efetuar qualquer reforma na sociedade contemporânea é preciso recuperar o apoio popular. De aproximação à sociedade moderna nem se fala. “A Igreja voltará a ser o que sempre foi sem nada ceder a seus adversários. Esta é sua posição intransigente” (26).

O artigo de Emile Poulat marca uma guinada na historiografia da DC quando ele situa a DC na tradição intransigente do catolicismo.

A esta intransigência acrescentou-se outro aspecto à DC, um aspecto interessante, na minha opinião, embora contestado pela crítica científica, como em Poulat e, sobretudo, no livro de Jean-Jacques Jadoulle sobre o P. Pottier.

“A historiografia demonstrou que a DC não ficou reduzida a um programa de reformas sociais e econômicas. A DC é portadora de uma visão particular de fé e de um projeto mais ou menos consciente e explícito de inserção desta fé e da Igreja no mundo” (27).

Em outras palavras, o que Jadoulle quer dizer é que a exigência fundamental da DC no fim do século é uma exigência de ordem religiosa porque seus ativistas sentem-se sobretudo religiosos. A pesquisa dele a respeito do P. Pottier (que se encontrou com P. Dehon várias vezes) é marcada por esta tese: ele é um economista, moralista e sobretudo teólogo e padre mais ainda”.

Dentro da suspeita de que a dedicação da Igreja ao povo seja pura estratégia, ele constata: “Para além do oportunismo tático, mesmo que a bom fim, há uma motivação mais profunda e, de certo modo, mais positiva. A recente historiografia designa-a com o termo integralismo... os corifeus do capitalismo social anunciam os princípios e desenvolvem as conseqüências do cristianismo integral. Eles não pretendem assumir o papel de Deus, pelo contrário, querem restituir-lhe seu reinado, em seu nome não abrem brechas mas impõem condições....” (29).

Por certo dever-se-ia distinguir “catolicismo integral” d de “integralismo”. O integralismo fica na polêmica com a sociedade, no limiar de um novo século, uma contradição frente ao evangelho, uma posição de ameaça para os indivíduos e os grupos que devem ser combatidos, como foi o caso de Humberto Benignis com La Sapinière.

Na minha opinião é preciso distinguir também o que entende Jadoulle por catolicismo integral.

Acho também que o exame feito a respeito da atuação de P. Dehon deve ser aprofundado e revisto dentro daquilo que hoje se chama política e mística.

Além do mais, o enquadramento de P. Dehon como católico integral tornarão mais claros os limites e potenciais de sua assim chamada atuação social. Se me refiro a seu trabalho social como ‘assim chamado’, de modo até provocador, é porque o enquadramento de P. Dehon como católico integral nos ajudaria a entender em que consiste seu compromisso social.

Social, para padre Dehon tem um significado muito amplo, abrangendo tudo o que refere-se à sociedade: poder social ou político, moral social, os costumes, normas coletivas, o reinado social de Cristo, o perigo social que é o contrário do precedente, e que a ação da Igreja pretende remediar. O adjetivo social é muito facilmente incluído e insinuado em muitos escritos dehonianos. Parece que o ponto central não está onde costumeiramente é situado: na melhoria das condições de vida da classe operária. É um projeto global para a sociedade. A questão operária vem como conseqüência da realização deste projeto” (30).

O conceito amplo de social em P. Dehon torna-se mais compreensível quando consideramos que na sua visão integralista do catolicismo a sociedade é sempre vista em seus múltiplos aspectos. É um conceito muito mais amplo do atual. Esta distinção faz-se necessária para podermos aquilatar devidamente o nosso compromisso social como dehonianos.

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Notas

1. Seria interessante analisar também a literatura precedente a 1991, o que poderia deflagrar muitos debates.

2. Rerum Novarum na França. P. Dehon e o compromisso social da Igreja, sob a direção de Yves Ledure, Editions Universitaires, Paris 1991. Estes estudos constituem um marco nos estudos sobre a atividade e o pensamento social de P. Dehon. Um comentário foi publicado em Dehoniana 1992, sob a título “Dehon e a Rerum Novarum”.

3. Andrea Riccardi. Rerum Novarum: il mito e l’avvenimento. In: Rerum Novarum. Ecriture, Contenu et Réception d’une encyclique. Actes du colloque international organisé par l’École française de Rome et le Greco nr.2 du CNRS. Rome 18-20 avril 1991. Ecole Française de Rome 1997, p. 11-27.

4. Marco Agostini. Catéchèse de l’encyclique Rerum Novarum - pédagogie française d’un document fondateur. In: Rerum Novarum. Ecriture, Contenu et Réception d’une encyclique, p. 319-329, e p. 319

5. Jean-Dominique Durand. L’Europe de la Démocratie Chrétienne. Edition Complexe, Bruxelles 1995, p. 380, e p. 45.

6. Ibidem, 67f.

7. Yves-Marie Hilaire. Rerum Novarum en France: Réception et audience dans les régions. In : Rerum Novarum. Ecriture, Contenu et Reception, p. 503-514, p. 505.

8. ibidem p. 508.

9. Histoire du Christianisme. Tome XI: Libéralisme, Industrialisation, Expansion Européenne (1830-1914) sous la responsabilité de Jacques Gadille, Jean-Marie Mayeur. Desclée, Paris 1995, p. 517f.

10. Pierre Pierrard. Les Chrétiens et l’affaire Dreyfus, Les Éditions de l’Atelier, Paris 1998, P.31.36 ; ebenfalls erwähnt in Paul Misner. Social Catholicism in Europe, New York 1991, p.234-236.

11. Pierre Pierrard. Juifs et catholiques français. D’Édouard Drumont à Jacob Kaplan 1886-1994, Les Editions du Cerf, Paris, 2. erweiterte Auflage 1997, p.126f.

12. Jean-Marie Mayeur. Les ‚abbés démocrates. in: Cent ans de catholicisme social dans la région du Nord, Revue du Nord, Nr. 290-291, Lille 1991, p.244

13. Yves-Marie Hilaire. Les abbés Six et Vanneufville et la revue La Démocratie chrétienne (1894-1908). in: Cent ans de catholicisme social dans la région du Nord, op. cit., p.254.

14. ibidem p.255

15. Paul Misner. Social Catholicism in Europe, New York 1991, p.232-238.

16. Jean-Marie Burnod. Le mouvement social franciscain en France à la suite de Rerum Novarum (1893-1901), Les Editions Franciscaines, Paris 1991. Trata-se de um estudo redigido em 1974 e só publicado em 1991, no centenário da Rerum Novarum.

17. ibidem p.47.

18. ibidem

19. ibidem p. 125.

20. ibidem p. 128f.

21. Pierre Pierrard, Nicolas Pigasse. Ces croyants qui ont fait le siècle, Bayard Editions, Paris 1999, p. 270 , p.132.

22. Deve-se acrescentar Mayeur e Hilaire que empenharam-se já antes no estudo das obras de P. Dehon.

23. Émile Poulat. Pour une nouvelle compréhension de la Démocratie chrétienne. in: Revue d’Histoire Ecclésiastique, LXX 1975, p.5-38.

24. ibidem p.7.

25. ibidem p.7.

26. ibidem p.8.

27. Jean-Louis Jadoulle. La Pensée de l’Abbé Pottier, 1849-1923 - Contribution à L’Histoire de la Démocratie chrétienne en Belgique, Louvain-La-Neuve 1991. p.VI.

28. ibidem p.101.

29. ibidem p.58.

30. Yves Poncelet (ICP), Léon Dehon entre 1849 et 1891. Formation et action sociale sacerdotale dans la seconde moitié du XIXe siècle, dans : RN en France…, p. 35-63, p.43. 62.