VIDA DA CONGREGAÇÃO

OS DEHONIANOS NA ÍNDIA

Vim van Paassen (NE)

Um pouco de história

O povo de Kerala é um povo comunicativo e empreendedor. Por séculos eles lidaram com muita gente que aportava por lá, na costas do golfo. Muitos tem um familiar no exterior, principalmente nos países do golfo. Devido a uma sucessão de governos comunistas Kerala dispõe do melhor sistema de saúde e educação em toda a Índia.

Da casa do bispo de Cochim, construída pelos portugueses em 1506, contempla-se o mar e boa parte da cidade. Parece estarmos contemplando a história que se desenrolou naquelas águas e terras. Os fenícios teriam ensinado o povo local a ler e escrever. Aquela região sempre foi passagem dos mercadores de porcelana e de especiarias. Quando os gregos descobriram a força das monções podiam fazer a viagem para Roma em menos de 40 dias. Recentemente foi descoberto na região um pote contendo 1200 moedas, de várias procedências, inclusive romana.

As pinturas na casa do bispo representam o desembarque do apóstolo Tomé nas costas da Índia em 52. Não é de se excluir que os cristãos tenham seguido junto com os judeus e romanos para a Índia. Provas concretas da presença de Tomé na Índia não existem.

Os cristãos sírios seriam descendentes dos nestorianos, obrigados a fugir da Mesopotâmia, em 435, quando foram condenados e perseguidos.

Mais tarde, em 1498, Vasco da Gama chegou liderando os portugueses. Para surpresa deles encontraram cristãos que se diziam filhos de S. Tomé, que usavam o rito sírio e tinham padres casados. A partir de então o Papa e o rei de Portugal uniram forças para submeter estes 100 mil cristãos ao rito latino.

Em maio de 1542 Francisco Xavier aportou em Goa e pediu clemência para com os sírios. Ele dedicou-se a converter os pescadores.

Em 1647 os holandeses atacam, tomam a cidade, obrigam os padres a se refugiarem algures e cedem aos protestantes a igreja católica. Com o advento dos ingleses, passa a ser catedral anglicana.

Desde a independência, em 1947, pertence à Igreja Ecumênica para o sul da Índia.

Uma entrevista com Martin van Ooy

P. - Temos uns 100 candidatos na Índia. Quais os critérios para aceitar?

R. - Visitamos os candidatos em casa. Eles devem pedir por escrito. Eles devem estar envolvidos em alguma atividade paroquial. A opinião do pároco conta bastante.

P. - E para continuar?

R. - Temos dificuldades com as diferentes culturas. O candidato tem que mostrar equilíbrio. Procuramos acompanhar cada um pessoalmente. Eles cursam primeiro a Filosofia, depois entram no noviciado.

P. - E para sair?

R. - A menos que o cara dê escândalo, ele fica. No noviciado, quem não mostra estar satisfeito, é despachado.

P. - Qual é a condição social e cristã deles?

R. - A maioria vem da ralé. Ganham um dólar por dia. As escolas, hospitais e casas são de arrepiar.

As igrejas, entretanto, estão cheias. Padres e freiras perambulam de batina e enchem as ruas. Você vê imagens do Sagrado Coração em toda a parte. A renovação carismática está a todo o vapor. O catolicismo romano-português se casa bem com as tradições locais. A Igreja é profundamente clericalizada e tradicionalista O pessoal fica padre para poder sair da Índia e ganhar dinheiro fora. Esta é a principal motivação de ter tantos padres. Os bispos pagam de acordo com o que entram, isto é, umas tantas rúpias. Chega a ter doze padres celebrando missa de aniversário de algum ricaço. Falar de doutrina social da Igreja aqui é como falar da cruz pro diabo.

P. - O que dizer a mais sobre o tanto que já foi escrito sobre os SCJ na Índia?

R. - Pegando esta ralé tem que agüentar as conseqüências. Os caras chegam numa pior, de família que come grama para sobreviver. Entretanto, eles são espertos e logo aprendem. Alguns saem logo que aparece um emprego. Mesmo para eles, fizemos algo de válido.

A maior parte do clero vem das classes superiores A Índia está precisando é de padres e freiras que se dediquem aos pobres.

A vida em nossas casas é sóbria. Não temos carros, nem bebidas alcoólicas. Comemos junto com os estudantes. Nossos estudantes cultivam as devoções tradicionais. Nosso trabalho é somente vocacional.

P. - Quais a perspectivas na nova frente da Andra Pradesh?

R. - Aquele Estado tem a pior saúde do país. A malária toma conta. Ao que se soma o analfabetismo e o abuso de menores. Os pequenos agricultores são vítimas dos grandes.

Os jesuítas ten 15 províncias na Índia, os salesianos, sete. Poucos cuidam dos pobres. Um bispo disse: preciso de gente que se encarregue dos pobres (não ele). Estamos construindo um seminário menor em Guntur. O superior geral vem nos visitar em Março. Vai ver o que de bom estamos fazendo. E do apoio que precisamos.

P. - O que dizer do futuro?

R.- Deveríamos ter começado há 25 anos. Temos uma porção de projetos. Precisamos conhecer mais a cultura local, a língua. A dimensão social de nosso carisma precisa estar mais presente. Estamos indo mais rápidos do que se pensava.

P. - Como é o estilo de vida aqui?

R. - Não podemos reproduzir o estilo de vida de nossas províncias de origem. Levamos uma vida bem simples. Esta é uma das razões do nosso sucesso com vocações. Temos que encarar a coisa assim; uma cerveja, um maço de cigarro custariam o que algumas pessoas ganham por dia de trabalho. Esta não é uma sociedade de consumo. Os valores espirituais propenderam. Viver com menos lha dá muito mais.

P. - Para qual apostolado vocês procuram candidatos?

R. - Nós nos preocupamos em como colocar em prática as decisões da Conferência geral de Brasília (sic). Milhões vivem sob o nível de pobreza, a expectativa de vida é de 61 anos, 53% são analfabetos. Nosso lema é eloqüente: ir ao povo. Estamos pensando no norte da Índia onde tem menos padres. Nosso programa acentua: a necessidade de ter um coração para o povo que escolhemos; nossa opção pelo norte da Índia, sua juventude pobre e marginalizada; a necessidade de vida comunitária que traga justiça. Este país precisa de reconciliação entre as castas, as culturas, as religiões e os ritos.

P. - Como vai a Igreja Católica Romana?

R. - Os 15 milhões de católicos constituem apenas 2% da população. A presença da Igreja nas escolas, hospitais e assistência aos pobres é bem vista. Muçulmanos e hinduístas desconfiam da Igreja, suspeitam que uma conversão maciça a ela viesse a destruir o sistema de castas. A Igreja é muito reticente em pronunciamentos públicos sobre o preconceitos das castas, por exemplo, ou sobre os casamentos arranjados e questões de justiça social. Um seminarista perguntou a outro: “Qual é a tua casta”? O cara puxou um canivete e respondeu: “Não me envergonho da minha casta, mas não respondo à tua pergunta safada”.

A pastoral da Igreja é feita 98% por padres e freiras, em pequenas vilas e nas periferias. Os leigos são uma minoria marginalizada na Igreja. Os bispos os ignoram. Superiores reunidos tem protestado contra o autoritarismo dos padres em relação às freiras e aos leigos.

Outro caso é a dependência de ajuda financeira externa. Para a população fica a impressão de um agente estrangeiro.

P. - Como pontos positivos deve-se relevar?

R. - A percentagem de cristãos está crescendo, bem como o número de padres e religiosas. A presença no serviço social cresce. Os fiéis são leais para com a hierarquia. A participação nos sacramentos e nas devoções é alta. Os sírios, ou cristãos de S. Tomé, têm grande participação na política e vida econômica país. Em geral são oriundos das classes mais altas. A Igreja está muito presente entre a massa dos pobres.

P. - E os pontos fracos?

R. - A expressão da fé muito tradicional, mediterrânea, devocional, filantrópica sem a dimensão social. Há divisões internas devido às castas e ritos diferentes. A mentalidade é machista e clerical, muito idêntica à mentalidade patriarcal. Em questões públicas a Igreja não tem condição de intervir.

P. - Diga-se o mesmo também de Kerala?

R. - As 26 dioceses de Kerala constituem uma Igreja forte menos nas questões sociais. O povo se considera superior aos demais A divisão entre os latinos e os sírios é bastante acentuada. Cada um tem tudo à parte. Apesar de tudo, os leigos tem alguma atuação por aqui.

P. - E em Andra Pradesh?

R. - A Igreja é bem menos influente ali e bem mais acentuada é a divisão das classes. Existe mais compromisso social.

P. Como vai o processo de inculturação?

R. - A Igreja é muito ocidentalizada. Os bispos quase todos estudam em Roma. Há um rito indiano, proibido por Roma mas tolerado em conventos e seminários. Há alguma arte hindu. Muitos católicos não gostam disso, não querem ceder ao huinduísmo.

P. - Como são as relações com Roma?

R. - A Índia sempre foi uma filha obediente. No momento discute-se aqui se evangelizar ou dar testemunho aos pobres, no estilo Madre Teresa. Muitos gostariam de ter mais autonomia em questões de liturgia. A questão com as outras religiões é controvertida. Houve teólogos proibidos de se pronunciarem. Esta divisão de ritos é complicada porque fundamentada em classes sociais diferentes e de difícil diálogo. Ambos os ritos são dependentes de Roma. No ano passado o campus do seminário de Kerala foi dividido entre os dois ritos.

Os sírios, embora tenham seu próprio Código de Direito Canônico, aceitam o celibato ocidental. Eles estão sob os cuidados da Congregação para os Orientais e têm muita liberdade. Roma teme novos cismas e então os deixa fazer que querem. Entre os Sírio-Malalkares há divisão: os que querem modernizar a liturgia e os que querem voltar às origens. Uns pedem que Roma sirva de intérprete nesta briga.

Há padres que inventam penas para os fiéis que ousam freqüentar outro rito. Nós temos seminaristas dos dois ritos.

P. - Por que escolheram trabalhar com o rito latino?

R. - Porque é o nosso rito. Esta foi a orientação inicial do bispo Kurethara, de Cochim. Outras congregações tem províncias separadas para um rito e outro. Nós recusamos diversos candidatos sírios. Há confrades que lamentam isto. Os latinos se adaptam melhor à nossa opção pelos pobres.

P. - Que dizer dos casamentos?

R. - Casamentos arranjados são uma tradição milenar. Os noivos, dados em casamento vem a se conhecer poucos dias antes de casarem. O dote faz parte destes acordos. O livre consentimento, como nós conhecemos, não existe aqui. A Igreja contenta-se com o consentimento formal dado na cerimônia. Amor e intimidade não contam para a Igreja. Separações são raras. A vergonha seria grande. A chance de uma mulher casar de novo é praticamente nula. Nestas casos a mulher prefere o suicídio. Os católicos aceitam a política de controle da natalidade da Igreja. Pouco se fala sobre aborto e eutanásia.

P. - E o diálogo religioso?

R. - Há alguma discussão em nível teológico. Os jesuítas são bem conhecidos neste campo. Em Kerala há boas relações com muçulmanos e hinduístas. Eles buscam as escolas católicas pela sua qualidade. No Norte os fundamentalistas perseguem os cristãos. As relações entre muçulmanos e hinduístas são tensas.

P. - A secularização é uma ameaça aqui também?

R. - Difícil de dizer, será mais difícil do que foi no Ocidente. A religiosidade é mais profunda. O progresso certamente libertará o povo do fatalismo. A fé não será tão abalada tanto assim. Percebemos hoje muitos estudantes entre os grupos de oração e nas missas.

Dois pontos são necessários:

Uma inculturação profunda da teologia, evangelização. O folclore religioso mediterrâneo deve tornar-se mais social. A arte religiosa deve incluir o estilo indiano.

Os fiéis devem ser educados a assumir suas responsabilidades de batismo e de crisma. Maior atenção deve ser dada à Doutrina Social da Igreja nos seminários, caso contrário a opção pelos pobres fica só em palavras.

Nossa vinda para cá, num mundo com uma cultura tão deferente exige necessariamente uma revisão de nosso estilo de vida e de nossos valores. É um desafio. Esperamos poder contar com a compreensão e aprovação do governo geral esperamos que os confrades do Ocidente não tentem influenciar nossos candidatos.

Resumo histórico das várias Igrejas católicas da Índia

A Igreja Siro-Malankar

Esta Igreja tem seus inícios na tradição da chegada do Apóstolo Tomé à Índia em 53. Ss membros da Igreja chamam-se cristãos de S. Tomé. Em 345 o patriarca oriental mandou 72 famílias mesopotâmias para Cranganore. Eles provinham de Edessa, na margem esquerda do Tigre. Outros vieram de Selêucia a da Pérsia. Por volta do ano 500 havia comunidades cuja origem se situava no século III. A Igreja Siro-Malankar é uma das quatro que conserva a tradição comum da antiga Igreja Síria.

No século XV os portugueses tomaram de assalto a costa de Malabar. Eles, a Inquisição e os jesuítas forçaram estes cristãos a se submeterem ao rito latino. As coisas pioraram quando o arcebispo Aleixo de Menezes, de Goa, chegou com um exército a Cochim, em janeiro de 1599, ordenou 1000 padres e convocou um sínodo do qual participaram 153 padres, alguns diáconos e leigos. Havia também alguns padres sírios que pouco entendiam de português. Eles acabaram assinando um documento que acabava com a liberdade da Igreja deles, liderada pelo arcebispo de Babilônia. D. Aleixo queimou o livros deles todos, razão pela qual há tão poucas referências históricos sobre suas origens.

Segundo a tradição, os sírios nunca foram contra o Papa. A briga deles era com os D. Aleixo e com os jesuítas.

Durante 50 anos eles foram humilhados pelos latinos. Quando os poucos privilégios concedidos a eles por aquele sínodo foram tirados, eles perderam a paciência. Em janeiro de 1633 um grupo de sírios reuniu-se em Mattanchery, perto de Cochim. Juraram expulsar os jesuítas e pedir ao patriarca deles que enviasse um bispo para eles. É o famoso juramento de Koonan.

O patriarca mandou o bispo Mar Attali que, logo ao chegar, foi preso pelos portugueses e queimado como herege em 1654. Três anos mais tarde, outro bispo oriental viajou às escondidas até Malabar. Roma reagiu mandando diversos missionários portugueses e espanhóis que saíram batizando todo mundo nos vilarejos.

Os sírios que ficaram fiéis a Roma constituíram a Igreja Siro-Malabar. Os outros ficaram de fora e passaram integrar a Igreja Jacobita. Alguns deles uniram-se a Roma em 1930, constituindo a Igreja Siro-Malankar.

Em 1923, após 230 anos de dominação latina, Pio XI estabeleceu uma hierarquia Síria, sob a liderança do arcebispo Padiara, em Ernaculum. A partir de 1950, esta Igreja passou a expandir-se em outras partes da Índia, contando hoje com 22 dioceses.

2. A Igreja Latina

Tem suas raízes nas atividades missionárias dos portugueses. O mais conhecido é S. Francisco Xavier. Leão XIII estabeleceu uma hierarquia em 1886. A partir de um sínodo havido em 1988, em Kottayam, eles têm sua estrutura própria: A Conferência dos Bispos católicos de rito latino da Índia, que compreende 18 arcebispos e 95 bispos diocesanos.

3. A Igreja Siro-Malankar

Quando os sírios orientais reuniram-se a Roma, os outros remanescentes passaram a constituir a Igreja Siro-Malankar, com relações estáveis com a Igreja de Antioquia e permanecendo uma Igreja independente.

Sempre houve tentativas de unificação com Roma. Um pequeno grupo teve sucesso em 1930. Foram reconhecidos como Igreja católica Malankar, com sede em Trivandrum e outras três dioceses. São cerca de 300 mil fiéis. Os não católicos são hoje cerca de três milhões.

Esta Igreja preserva o rito litúrgico e o direito antioqueno, fundamentado na tradição primitiva de Jerusalém e de São Tiago. Estes cristãos estão espalhados um pouco por toda a Índia.

A Igreja Católica Romana na Índia é formada assim por três grupos: Latino, Siro-Malabar e Siro-Malankar. Cada um com sua respectiva conferência episcopal.