DOSSIÊ CENTRAL

FAZENDO A MEMÓRIA DOS NOSSOS SANTOS

OS DEGRAUS DE UMA ESCADA

Evaristo Martínez de Alegría (HI)

Os primeiros passos sob o olhar da Igreja e da Congregação

Talvez seja demais dizer que P. Juan seja para nós uma figura familiar. Ele pertence àquele grupo de santos cuja causa foi iniciada nos anos sessenta, na Espanha. Todos estávamos convencidos de que P. Dehon e P. Prévot haveriam de preceder a quaisquer outros no caminho dos altares, não obstante a dificuldade de seus processos.

Para nós era a época das missões, do consolidação da Congregação em tantos lugares. O Concílio veio trazendo todas as suas reformas e revendo o sentido da devoção aos santos. O calendário litúrgico passa a ser centralizado nos mistérios de Cristo. Os santos desaparecem dos altares e ficam guardados nas sacristias. Custou a esta devoção recuperar seu lugar

Todavia a devoção aos santos continuou na alma do povo, mesmo naqueles que vivem à margem das comunidades. Os santos voltaram, assim, a recuperar seu lugar na Igreja.

Nossos santuários são lugares de oração, de conversão e de encontro com o sagrado.

Acentua-se e estuda-se a pastoral dos santuários e as peregrinações ganham novo sentido.

Canonizar alguém é colocá-lo entre os testemunha das fé, os confessores, os doutores, os mártires. A beatificação permite que lhe seja dedicado um dia, no qual a missa pode ser rezada em sua honra, prática que teve início no século XVI. P Juan não se fasta do nosso cotidiano nem do nosso tempo, apesar de passados quase setenta anos. Ele será um estímulo a viver o nosso carisma.

A morte pela fé, no martírio define a doação total a Cristo e é por este motivo que o santo merece ser lembrado e venerado: ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelo Amado. Até a uma prostituta foi reconhecido o martírio por esta razão.

A santidade é entendida, em geral, como a perfeição de vida, a vida que vem do alto, a vida divina. Deus é santo por definição e pede que sejamos santos como ele.

A vida dos santos, como experiência, é um caminho de amor a Deus, um mergulhar nele e fazer-se testemunha deste amor entre os irmãos. Esta é a intuição de nossa Regra de Vida ao recomendar que sejamos “profetas do amor e servidores da reconciliação”, isto é, do amor, da misericórdia, da ternura, da compaixão do Coração de Deus, manifestado no Coração traspassado de Jesus.

Não crer nos santos significa não crer na santidade, não aceitar que entre Deus e os homens possa haver uma continuidade, que o homem não possa reunir em si a vida divina. Seria dar razão a Lutero que afirma que o homem está assinalado irremediavelmente pelo pecado.

Nas Igrejas protestantes não há lugar para os santos. Há comunidades que os aceitam como testemunhas da fé, mas não são vistos como intercessores.

Para nós, católicos, é evidente o apelo à santidade que consiste em fazer crescer a graça do batismo. Até as crianças, a seu modo e segundo sua experiência, podem dar testemunho pelo martírio, como aconteceu com uma menina romana, Nennolina, morta aos sete anos e sepultada na basílica da Santa Cruz, em Roma, conhecida e admirada pelo papa Pio XI e sobre a qual escreveu recentemente nosso confrade, P. Girardi.

Com o Papa

Na carta Apostólica Novo Millenio Ineunte, o papa escreve: “A consciência penitencial mais viva não nos impediu, porém, de dar glória ao Senhor por tudo o que Ele fez ao longo dos séculos, de modo particular neste último que deixámos para trás, assegurando à sua Igreja uma longa série de santos e de mártires. Para alguns deles, este ano jubilar foi o ano da beatificação ou canonização. Quer atribuída a Pontífices bem conhecidos da história quer a figuras humildes de leigos e religiosos, a santidade apareceu mais claramente, dum extremo ao outro do globo, como a dimensão que melhor exprime o mistério da Igreja. Mensagem eloquente que não precisa de palavras, aquela representa ao vivo o rosto de Cristo.

Muito se fez também, por ocasião do ano santo, para recolher as memórias preciosas das Testemunhas da fé do século XX. No dia 7 de Maio de 2000, juntamente com os representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, fizemos a sua comemoração no sugestivo cenário do Coliseu, símbolo das perseguições antigas. É uma herança que não se deve perder, mas fazer frutificar num perene dever de gratidão e num renovado propósito de imitação” (7).

P. Juan vem nos despertar

P. Juan veio bater às nossas portas depois de um longo período de silêncio em toda a Congregação. Na Espanha, o processo teve início em 1959, por obra do P. Aguillera, divulgado pela revista “Corazón Ardente” que conseguiu criar e cultivar alguma devoção popular ao santo. Assim a chama se manteve acesa até que o decreto de seu martírio foi assinado.

Um parêntese nos permite tecer algumas considerações em torno dos demais processos em andamento (Dehon, Prévot, Capelli, Longo). O que falta nestes casos é um sinal maior, um milagre. Talvez fosse mais interessante e mais de acordo com a tradição da Igreja favorecer mais a devoção deles entre o povo e se examinasse melhor as virtudes de cada um. Tentou-se estudar e divulgar a vida e a personalidade de P, Dehon, através de seus escritos. Infelizmente, P. Prévot está tornando-se um desconhecido e pouco se fez para promover sua devoção.

Estes processos continuam. Resta verificar qual é o interesse das províncias e da Congregação. Na era da internet, não lembro ter visto qualquer referência a P. Juan no site da província espanhola.

Quando se comenta que a principal coisa que falta para canonizar Dehon e Prévot é um milagre, ouve-se logo alguém dizer: “Ou não tendes fé nos vossos santos, ou não fazeis o povo rezar. O Senhor tem outros projetos”.

P. Juan, durante a sua vida de esmoleiro, deixou sinais de sua passagem, como aquela cura em Pamplona, em 1934, de uma menina que deveria sofrer uma operação no pescoço e, por sua oração, não precisou mais. Existem outros fatos mais relatados aqui e ali.

Os santos reconhecidos pela Igreja

A 11 de março, junto com outros 232 mártires, na Praça de São Pedro, nosso P. Juan foi inscrito na árvore dos bem-aventurados. No caso deles, como em de outros, por um lado, há o entusiasmo das comunidades onde eles são conhecidos e venerados, por outro, a crítica sócio-política de outros que cultivam reservas sobre a conveniência de tais beatificações, segundo eles, pouco inspiradas no evangelho e pouco apreciadas aos políticos de turno.

Outros questionam estas solenes cerimônias no contexto do ecumenismo, embora se lembre sempre também todas as outras vítimas dos grandes holocaustos, quaisquer que seja a confissão deles, como aconteceu no Coliseu em maio de 2000.

No prólogo da Dicionário dos Santos se lê que “nos dias de hoje, chegamos a uma situação de equilíbrio, na qual o santo é apresentado como uma figura próxima a nós, de vulto amável que nos estimula no seguimento de Cristo”.

Há quem diga haver uma inflação de beatificações. A expressão foi usada pelo próprio João Paulo II, em 1994: “Isto reflete uma realidade e corresponde ao desejo do Vaticano II. Tanto difundiu-se o evangelho pelo mundo, de modo que este grande número de beatificações manifesta a ação do Espírito Santo e a vitalidade da Igreja num campo próprio do Espírito que é a santidade”.

Nós, de modo particular, nos alegramos, seja pelo P. Juan, seja por seus companheiros que representam o universo dos crentes: “Ex omni populo, tribu et lingua et natione”. Os santos não são pessoas estranhas distantes de nossa experiência e tão próximos de nós religiosos, como foi o caso do Padre Juan.

Refazendo sua caminhada, desde 1891 até 1936, percebemos as dificuldades normais que ele teve que enfrentar para alcançar seu objetivo de ser padre, religioso e mártir.

Uma consideração inicial é de ele era um daqueles primeiros dehonianos, tão próximos a P. Dehon, que ficaram como modelos de vida. Correm o risco de cair no esquecimento, com o passar dos anos, para as novas gerações, pouco atentas às nossas raízes e à nossa história. Do “Centro de Estudos”, espera-se que tais estudos sejam ampliados. O próprio P. Dehon quando escreve suas memórias, em 1912, já faz alusão de que os jovens não conheciam a história das nossas origens.

Subindo os degraus

San Esteban de los Patos, terra Natal do padre Juan, é um vilarejo pobre e agrícola, terra árida e sujeita à neve. Seu povo cultiva as tradições católicas, as práticas devocionais. Lugar sem padre, a família do padre Juan se ocupava de puxar as rezas.

Uma família grande, a sua, 15 filhos, muitos dos quais morreram na infância. É ali que nasce sua vocação, come afirma P. Zicke na primeira biografia sobre ele, biografia escrita para cultivar a memória deste grande homem entre os noviços da Espanha.

Seu irmão afirma: “Quando tinha seis ou sete anos seu avô levava-o consigo e quando precisava parar em algum povoado, ele dizia ao pessoal: “Se vocês não tem padre, Mariano, meu neto, pode cantar a Missa para vocês”. E ele cantava de modo que todos ficavam maravilhados. Ele lembrava bem as orações e ensinava aos seus colegas aquilo que aprendia”.

Foi o pároco daquela área que preparou-o para entrar no seminário ao ver nele os sinais de vocação. A família, o ambiente, o pároco, tudo concorreu para favorecer aquela vocação, numa história igual a de tantos nós. Ele era um garoto que gostava de jogar, andar pela vizinhança, caçar passarinhos.

Sendo mais velho dos irmãos, ia com o pai para a roça e cuidava do gado. Depois de entrar no seminário, por duas vezes teve que voltar para casa para substituir o pai doente.

A vida no seminário

Normais serão também os anos passados entre as paredes do seminário, na cidade de Ávila, terra de Teresa e de João da Cruz, terra de pedras e de santos. Dele, João, o nosso Mariano, emprestou o nome religioso acrescentando o de Maria, por causa de sua grande devoção à Virgem Mãe de Deus. Sobrou uma carta dele, escrita na festa do Nome de Maria, a 12 de setembro de 1926, um mês antes da profissão e dez anos depois de ordenado. A carta é bela se bem que muito emotiva e mostra sua devoção filial, semelhante aos tempo de Luis Grignon de Montfort.

Sua ficha com as notas demonstra que ele era inteligente e bom aluno. Um de seus professores, novato no ofício, testemunhou que, às vezes, Mariano colocava-o em dificuldades com suas perguntas.

Nas anotações espirituais dos retiros para o subdiaconato e para o diaconato, ele se demonstra um seminarista normal nos estudos, na vida espiritual. Mostra uma grande disponibilidade a Deus e aos superiores, uma grande regularidade nos exercícios de piedade e nas visitas ao Santíssimo, três vezes por dia, e por sete minutos, como escreve.

Ficou na memória do povoado o dia em que, ainda seminarista, andou o dia inteiro para poder comungar em outro lugar. Tudo isso em jejum como se requeria naquele tempo.

Num de seus programas de vida, como seminarista, escreve: “Este ano devo viver mais profundamente a doação completa à vontade do Pai, resignando-me a tudo que o Senhor quiser de mim e darei o melhor de mim para realizar sua vontade”.

Na alegria do Pai

Desde menino, e também mais tarde como padre, foi sempre um homem alegre, divertido, de fazer amizade fácil, como lembram seus colegas de sacristia e de seminário. Passava longas temporadas ausente de Puente la Reina, para esmolar e angariar vocações, e, quando voltava, os seminaristas o rodeavam para ouvir as narrativas de suas andanças. Ele ensinava cantos, contava piadas e divertia a meninada. Quando devia dar aula, porém, não conseguia controlar a molecada. Inventou um jogo para entreter a meninada nos recreios.

Nas pegadas de Cristo

No retiro para o diaconato mostrava suas intenções de dedicar-se ao ministério naqueles povoados perdidos. “O crucifixo será meu livro de cabeceira. Desde já ofereço meus trabalhos, as tribulações que venham a me atingir. Peço-vos, Senhor, aceitá-las como presente de meu coração”. Já então se manifesta sua dedicação ao confessionário: “É necessária, toda manhã, estar mais cedo no confessionário e ser constante. Deve-se dar prioridade aos homens. Tanta afabilidade e doçura. Nunca se irritar com os meninos. Afeto todo especial. Procurar aqueles que afirmam não se confessar antes de comungar. Ser prudente nas perguntas, não ofender ninguém ao pedir explicações”.

O crucifixo do qual fala é uma velha cruz de madeira, com um coração de prata, que ele levava consigo e que foi encontrada junto ao seu corpo na sua exumação em 1940. Está conservado hoje, em Puente la Reina, junto com o escapulário, atravessado por uma bala.

A cruz orienta sua vida. Estava sempre visível em seu escritório nas paróquias por onde andou. Seu quarto era simples, quente no verão e frio no inverno. Na mesa imperava a cruz e havia alguns livros de orações, e algum de teologia ou de moral, nada mais. Padre Mariano se preocupava em ler para manter-se atualizado, como atestam os nossos confrades de Puente, onde devia prestar exames regularmente, como era costume na época. Enfim, havia também o despertador, que os vizinhos ouviam soar bem cedo para chamá-lo para a oração.

Os santos amadurecem pelo força do espírito

O caminho que Mariano deparava era claro: “Jamais se haverá de exagerar a importância da santidade na vida do padre”. O padre pode ter todas as capacidades possíveis; se lhe vier a faltar a santidade é um homem inútil, ao passo que um sacerdote santo, mesmo não tendo tantas capacidades, fará maravilhas. Se eu for sacerdote terei de ser santo”. Isto ele escrevia pouco ante de ser ordenado. Sabemos quanto ele viveu na glória de Deus durante seus vinte anos de vida sacerdotal. Pode-se dizer que as palavras-chave de sua vida foral: o zelo pela tua casa me consome!

Sua reação diante do incêndio da igreja, sua conduta durante o mês de prisão são conseqüência daquilo que escreveu no retiro inaciano que antecedeu sua primeira profissão, em 1926. Expressava uma espiritualidade que foi influenciada pelo P. Goebels, co-fundador da província italiana, depois enviado para ajudar o P. Zicke na Espanha.

Aquilo que padre Juan anotou em seu caderno será lembrado por ele anos mais tarde, durante o trabalho de esmoleiro. Ele sempre quis ser frade ou monge para conduzir uma vida de oração, recolhimento e trabalho. Seu caminho, entretanto, não era com os carmelitas, nem com os dominicanos, nem com os trapistas. Depois foi mandado por seu superior a esmolar, numa Espanha assolada pelo confronto social e religioso que a levará a uma guerra fratricida, prelúdio da segunda guerra mundial.

Não temerei mal algum porque estás comigo

Espiritualmente sempre preparado, ele escrevia muito antes: “Deus dá mais trabalho para aqueles que mais ama, assim como Teresa. Devo acostumar-me à idéia de que muitas vezes estarei triste, desanimado, cheio de amargura, escrúpulos e temores. Assim mesmo, com a ajuda de tua graça, hei de seguir-te como prometi. Em tudo isso hei consolar-me naquilo que estiver fazendo em teu nome. Quando vier o primeiro pensamento de desespero, hei de sorrir e voltar meu olhar para o Senhor, com toda a minha confiança”

Para P. Juan não foi fácil o trabalho de esmoleiro que lhe foi pedido, conforme ele escreve ao Superior geral: “Solicito a Vossa paternidade que me providencie um lugar mais adaptado às minhas necessidades espirituais, um lugar de recolhimento, no qual possa encontrar a paz espiritual, longe do bulício do mundo. Que eu possa, assim, cultivar a união com Deus. Conceda-me isto ao menos por um prazo, um ou dois anos. Não seria o noviciado de Albisola um bom lugar? Não poderia eu ser de alguma ajuda ao padre Mestre? Poderia dedicar-me aos estudos. Não poderia algum padre italiana vir para a Espanha?”.

No fim ele acaba dizendo seu Ecce Venio.

Mais tarde agradece ao P. Superior geral sua admissão aos votos perpétuos: “Escrevo para manifestar minha alegria por ter-me consagrado a Deus e ao Sagrado Coração, de modo definitivo, através dos votos perpétuos, no último dia 31 de outubro. Como eu dizia em minha carta anterior, eu não tinha tanta certeza sobre a vontade de Deus neste ponto, porém, depois de ter consultado o Senhor e sua Santíssima Mãe, e, obtido o parecer de meu diretor espiritual, por fim deixei-me ser levado pelas mãos da Providência, na certeza de que o Senhor há de inspirar a meus superiores aquilo que mais conveniente para mim. Tenho certeza absoluta que, pela obediência, superarei todas as dificuldades que venham a se opor à minha santificação. Minha confiança está no Sagrado Coração de Jesus e em Maria”.

Suas dificuldades em relação ao seu trabalho parecem ter desaparecido naquele espírito de oblação com que fez os votos perpétuos, pois escreve: “Graças a Deus, agora estou contente, pois parece que Deus está mandando muitos rapazes para o nosso seminário. Temos 21 agora. Confiamos que Deus nos dará muitas vocações e os meios para cultivá-las”. Mais tarde torna a escrever: “Graças a Deus, continuo alegre e confiante no Senhor e na Virgem Maria. Sua carta consolou-me e alegro-me bastante”. Ele aproveita e manda saudações ao P. Roberto (provavelmente Bramsiepe, seu guia em Roma e companheiro dos primeiros tempos na Espanha), Gelasio, Suardi, Bosio e a “ toda aquela venerável comunidade. Alegro-me que o irmão Zappi esteja melhor”.

Por amor de seu nome

É difícil entender a figura do p. Juan sem sua vida de oração. Diversos são os escritos que ele deixou e nos quais ele aparece como homem de oração constante, em comunhão com seus santos: José, Inácio, Miguel, Gabriel, Rafael, além da devoção ao Sagrado Coração, ao Espírito Santo e tantas outras práticas de piedade como o terço, o pequeno ofício, e lembrança dos mortos, etc. Tudo isto ele anotava como coisas a não esquecer. Tomamos conhecimento de seu horário quando ele percorria os povoados e cidades do norte da Espanha e o horário mais conhecido dele, o da prisão. Neles, tudo é determinado, sempre de acordo com os horários das comunidade e sem esquecer momentos de descanso para seu corpo debilitado e pelo cansaço de suas andanças.

Seguindo o exemplo do P. Dehon, em seu horário não faltava o tempo reservado para a leitura de jornais. A adoração ocupava lugar privilegiado e ficava horas escondido diante do Santíssimo, quando não estava em viagem.

As pegadas dos homens de Deus

Somente Deus conhece os efeitos que a santidade de P. Juan espargiu em torno de si. Muitos são os que deram seu depoimento sobre sua santidade, seja entre o povo que ele atendia, seja entre seus companheiros de seminário e de Congregação. Ele viveu profundamente o espírito de oblação e de reparação. Em 1927, durante sua estadia em Roma, ele escreve: “A minha alegria é estar com os filhos dos homens, mas, não obstante isso, a maioria volta as costas, por impiedade, por falta de fé, por indiferença, por esquecimento. A maioria não quer ficar com o Senhor, não o contempla nem o ama. Eis a primeira parte da reparação para com Jesus, imitando Maria Madalena que escolhe a melhor parte”.

Depois ele fala da reparação pela caridade, em seus múltiplos aspectos.

Em Puente la Reina contava-se que quando as mães queriam saber em que missa os filhos tinham ido, bastava perguntar o tema da pregação. Se era o amor misericordioso de Deus, então era a missa do P. Juan.

Um de seus objetivos, em suas andanças, era divulgar a adoração porque era uma prática própria do nosso Instituto. Seu sonho era de implantar a Pia União Adveniat Regnum Tuum na Espanha, isto quando a situação se acalmasse. Agora não seria oportuno.

P. Juan é uma personalidade viva, envolvente, segundo os testemunhos da época. Um confrade o encontra imóvel, calado em seu quarto, aproxima-se e o vê rezar diante do crucifixo e seu livro, como havia dito uma vez. Os seminaristas e os coroinhas nas paróquias pouco entendiam das longas celebrações dele e o chamavam afetuosamente “padre eterno”, por causa de suas longas missas. Ele os convidava a sentarem-se ou irem embora, para ficar no diálogo com o Senhor. Era fácil encontrá-lo quando estava em casa: ou estava na cela ou na capela.

Por outro lado, era aberto, próximo dos companheiros, divertido nos contatos.

Caminhando por vales obscuros

Durante aqueles anos duros de andanças para lá e para cá, esmolando e procurando vocações, P. Juan passou a conhecer o povo e perceber a mentalidade de mártir que ia-se formando, sobretudo depois da proclamação da segunda República, a 14 de abril de 1931, quando explodem atos de violência em toda a parte. A lei torna-se anti-clerical desencadeando assassinatos, incêndios, expulsões. O clímax ocorre após a rebelião das Astúrias, onde, dizem, chegou-se a expor à venda “carne de padre.”

Diversas vezes ele manifestou o desejo de morrer mártir, sobretudo, quando ouvia narrativas de violências e mortes ocorridas na Espanha daquele tempo. Tinha inveja daqueles que davam sua vida em nome de sua fé.

Sabe-se que o martírio foi objeto de reflexões nas comunidades como conta o P. Lorenzo Cantò, superior em Garaballa, quando, nos primeiros dias de abril de 1936, aconteceu o levante nacional que dividiu a Espanha. Um de seus companheiros escreve: “Vivi com o P. Juan em 1936 e conheço os sentimentos dele. Estava disposto a aceitar o que viesse e tinha certeza do triunfo da causa de Deus e de que isto comportava sofrimentos pelos pecados sociais. Transmitia esta fé e estes sentimentos aos que estavam a seu redor e a todos encorajava”.

Nos últimos degraus

Diante da prova seu testemunho é claro: “Sou padre”. Ele bem poderia fazer-se passar por um agricultor, por sua aparência. Um advogado, seu companheiro de prisão, testemunhou no processo que interessou-se por ele porque “era tão difícil entender que alguém fosse tão corajoso e ao mesmo tempo ingênuo em assumir conseqüências tão dramáticas”. Este advogado não tinha idéia da força interior do “padre da jaqueta”.

Sua disposição nestes dias de prisão estão resumidas no cartão que ele manda ao superior geral: “Eis-me aqui, preso há três semanas por haver protestado contra o incêndio da igreja. Bendito seja Deus! Cumpra-se em mim toda a sua vontade! Estou feliz por poder sofrer algo por ele que tanto sofreu por mim, pobre pecador”.

Outro testemunha, um redentorista, também seu companheiro de prisão, lembra a figura do P. Juan numa carta de 1940. Descreve seu modo de viver fala de seu ministério entre os presos. Segundo ele, P. Juan dizia: “Agora mais que nunca deve-se confessar Jesus Cristo e deve-se imitar os mártires dos primeiros séculos que se preparavam para o martírio ajoelhados”. A carta termina com uma sentença: “Bem-aventurado aquele que recebe a palma do martírio. Bem-aventurada a sua Congregação, glorificada por tão excelso mártir”.

Em 1927 P. Juan visitou Roma. Seus colegas de Roma, contam como era difícil fazê-lo sair das catacumbas. Seria um pressentimento?

Desconhecemos seus últimos momentos, naquela noite de 23 de agosto de 1936. Os verdugos sempre tentaram esconder seus atos, evitavam dar qualquer testemunho, cumpriam friamente as ordens.

Conclusão

No dia 23 de agosto de 1937, aniversário da morte do P. Juan, a crônica da casa de Puente la Reina registra o seguinte: “Esta data ficará eternamente marcada nesta Escola Apostólica. Ela nos recorda o primeiro aniversário da morte do P. Juan, em Valencia, que foi um exemplo de vida religiosa. No ano passado, durante o verão, ele foi ao noviciado de Cuenca para cuidar de sua saúde. Poucos dias depois explodiu o levante, que haveria de libertar a Espanha dos comunistas. Para proteger-se P. Juan foi a Valencia, onde foi preso e logo depois executado. Sua coragem em denunciar um crime custou-lhe a vida. E conferiu-lhe a palma do martírio. Honra ao protomártir de nossa Congregação.

Uma outra crônica, no segundo aniversário de sua morte, lembra seu anjo da guarda: “Hoje, no dia do aniversário da morte do P. Juan recebemos, providencialmente, 1000 pesetas. Laus Deo! E muito obrigado ao protomártir da Congregação”. Continuava esmolando no paraíso!