DAS NOSSAS MISSÕES

O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NA CULTURA LOCAL

Francis de Sales (IN)

Usando brincos, um grupo de jovens entra no International Plaza, em Palembang, um dos maiores shopping centers da cidade. Em plena estação seca, eles usam Nike, Adidas, Reebok, Filas. O Shopping, refrigerado, é um bom lugar de curtição. Alguns deles tinham o corte como Michael Jordan ou O’Neal. Os jeans faziam lembrar os jovens americanos.

“Vimos jovens na TV usando jeans surrados. Parecem que dão mais liberdade. É um barato!”, diziam.. “Vi Michael Jordan usando Nike. Ele parece voar. Gosto também de usar T-shirts com a cara dele”.

Antes de 1980 não se via nada disso na Indonésia. Havia um abismo enorme entre a cultura ocidental e a oriental. John Fiske diz que esta mudança caracteriza a classe subordinada. Usando jeans surrados eles simulam subtrair-se à classe dominante. Paradoxalmente, o uso uniforme de jeans confere uma sensação de liberdade, embora iguale todo mundo.

Os jovens americanos usam esses jeans são vistos pelos jovens indonésios como sendo um fenômeno de rebeldia. Não é o caso dos indonésios que os imitam. Estes tentam identificar-se com uma nova geração que parece ser moderna.

Outro exemplo desta globalização vem da Reebok. Com a queda do muro de Berlim, a Reebock entrou de cheio na Rússia. Aberta a primeira loja, em 1993, as vendas superaram qualquer expectativa mais otimista. Hoje o poder da imagem projeta as grandes companhias em todos os mercados do mundo e cria necessidades uniformes em quase toda a parte.

A juventude precisa sempre de coisa nova, com cara de moderno. As imagens mostradas pela mídia constituem o sonho desta juventude.

A publicidade virou componente de todos os eventos importantes de hoje. A publicidade carrega em seu bojo uma ideologia e estimula ao países a abrir suas portas ao capitalismo de consumo. A mídia acaba tendo um poder decisivo nos sistemas políticos. Um dos poucos aspectos positivos deste poder é o de forçar a abertura em países mais repressivos e fechados. Na Indonésia, onde o poder sempre serviu-se da mídia para se manter, os grandes grupos sempre tiveram que se proteger para não perder a licença. Assim, o conglomerado Kompas podia publicar notícias e artigos contrários ao governo, no tempo de Suharto, em seus jornais afiliados, de menor porte, e de menor penetração, mas ele próprio devia tomar maior cautela.

Estes conglomerados visam sempre um lucro maior e defendem os interesses de um pequeno grupo de pessoas e, cada vez mais, identificam-se com os grandes grupos econômicos. O interesse deles é conquistar sempre mais mercados livres e isto exige regimes mais estáveis, qualquer que seja a ideologia dominante.

Efeitos da globalização da mídia

E.S. Herman e R. W. McChesney destacam alguns efeitos da globalização da mídia. Esses meios pressionam os mecanismos de comunicação estatais a serem mais flexíveis. Evidentemente isto é mais aplicável aos países mais democráticos. Nos países ditos do Terceiro Mundo, em geral, os meios de comunicação estão a serviço dos regimes opressores e ditatoriais. É difícil prever o que vai acontecer em países nos quais os jornalistas são ameaçados de morte. Nestes casos, os meios de comunicação que produzem e cultivam a cultura popular podem adotar a teoria de De Certau, na metáfora militar: “A tática da guerrilha é a arte do fraco; nunca desafiar o forte em guerra aberta. Seria a derrota certa. Manter a oposição dentro do sistema dominado pelos fortes”.

Daria isto certo quando o a grande meta é obter lucros?

Outro aspecto é o efeito da comercialização e a disseminação rápida da cultura popular até aos maiores cafundós da terra. O resultado é uma espécie de cultura universal, estreitando os laços entre povos diferentes.

Concordo com a afirmação de que a globalização na mídia aproximou as pessoas, muito embora continue a existir o desnível entre nações, tribos, raças e religiões.

Em todo o caso o debate promovido pela NWICO (New World Information and Communication Order) tem sua parte de verdade. Os países não-alinhados foram muito críticos em relação à mídia pela desequilíbrio flagrante de informações sobre o Norte e o Sul do mundo e pela precariedade de recursos de informação. O domínio dos programas de entretenimento no Terceiro Mundo foi acusado de promover um imperialismo e de impor padrões de audiência ocidentais. Os meios de comunicação estão, antes de tudo, a serviço dos patrocinadores.

A mídia oferece entretenimento em mão única. Os condutores dos programas, que têm sua ideologia, controlam a audiência. As pessoas só podem discutir o conteúdo dos programas depois que eles foram apresentados. Não podem expressar sua opinião, como acontece no teatro popular. São induzidos a concordar com o que vêem.

Twitchel chama este poder de “espalhar o mau gosto da América pelo mundo”. Os gigantes da mídia americana estão exportando este lixo que passa a ser apreciado como os americanos.

“Vivemos numa cultura que ainda reage contra o mau gosto embora não o admite como tal. Passa-se a dizer: gosto não se discute”.

Ellen Wartela adverte para a predominância da violência na televisão e os violentos não são punidos. Esta violência é exportada, enlatada, para todos os cantos do mundo. Não sabemos quanto isto influencia o comportamento das pessoas. Parece certo haver uma correlação entre violência na TV e na sociedade.

Um certo aspecto positivo promovido por esta mídia global é a difusão de alguns valores ocidentais tais como o individualismo, o ceticismo em relação às autoridades, os direitos da mulher e das minorias.

Mesmo estes temas são abordados segundo os interesses e metas dos programadores não das necessidades de cada lugar. Há, por exemplo, o caso das mulheres que trabalham em fábricas de propriedade dos países ocidentais, a respeito das quais Cynthia Enloe diz: “Toda essa Nova Ordem Mundial vai aglomerando empresas de modo a garantir certas práticas. Nos anos 80 os tycoons da Reebok e da Nike decidiram manufaturar seus produtos na Coréia do Sul e em Taiwan, contando com o trabalho feminino. Foram logo imitados por Adidas, Fila. LA Gear e Asics. Ademais, o governo da Coréia do Sul tinha interesse em abafar o poder sindical dos trabalhadores locais e estabeleceu uma espécie de pacto com as mulheres trabalhadoras, as quais aceitaram, inspirando-se na filosofia confuciana que mede o valor da mulher por sua capacidade de dedicação ao bem estar da família. Muito patrióticas, as mulheres coreanas eram as operárias mais apropriadas para a indústria de exportação”.

Espera-se que a mídia global possa defender os direitos das mulheres trabalhadoras exploradas que devem ser consideradas como uma minoria. Como podem fazê-lo se correm o risco de perder grandes fatias de publicidade?

A aceitação da ideologia destas grandes cadeias de MCS depende em muito da força dos patrocinadores.

Considere-se o caso da China e da Indonésia. Ambos são dominados por regimes autoritários, a China, comunista, e a Indonésia, ferrenha anti-comunista. Entretanto, ambas não vêem problemas em abrir suas portas para as mesmas empresas capitalistas e oferecer mão de obra barata

Assim sendo, eu diria que a mídia mudou seu papel de cão de guarda para lacaio dos interesses alheios. Vejamos como o povo vai reagir a este papel que eles têm que engolir todos os dias.

Outro efeito da mídia globalizada foi a difusão do individualismo. É verdade que o individualismo ajudou as pessoas a elevar o padrão de vida. A televisão favorece este individualismo. As pessoas passam a criar maiores necessidades e buscar sua satisfação. Assim, a televisão vai abrindo maiores mercados para seus anunciantes.

E.S. Hermann e R.W. McChesney tecem o seguinte comentário a este respeito: “O modelo comercial tem sua lógica interna, sendo de propriedade particular e baseado no apoio dos anunciantes e acaba criando uma cultura do entretenimento que é incompatível com a ordem democrática. Os produtos oferecidos pela mídia não vêm ao encontro das necessidades da população mas das metas do mercado”.

Conclusão

Este artigo focaliza os lados negativos da globalização, enquanto muitos saúdam e globalização da mídia, como fossem novos missionários. A nossa perspectiva é a das minorias que acabam pagando a conta, como as mulheres exploradas por estas fábricas globais. Temos o direito de questionar o papel da mídia na abordagem destes problemas criados pela globalização econômica.

É impossível conter a expansão do fenômeno, sabemos. O que pode-se fazer é educar e preparar a população a ser mais crítica diante do que lhe é imposto pela mídia.

É interessante citar a declaração de Postmant: “Hoje, vemos a cidade de Las Vegas como uma metáfora de nossas aspirações, uma cartão postal do entretenimento. Nossa política, religião, imprensa, esporte, educação e o comércio acabaram tornando-se contornos do show business. Nossos objetivo é divertir-nos até morrer”.

Penso que devemos e podemos mudar esta mentalidade de entretenimento. O que mais me preocupa, porém, é o poder da mídia que acaba abafando as culturas locais. A fraqueza destas é que não são agressivas, não tentam se impor e acabam perdendo sua identidade, sem poder competir com a cultura da mídia globalizada. Estas culturas deram grandes contribuições para a construção dos direitos e valores humanos.