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P. Manuel Joaquim Gomes Barbosa SCJ

 

Curia Generale SCJ

Roma - 2004

PADRE DEHON, HOMEM DE IGREJA

Esta reflexão sobre o PADRE DEHON, HOMEM DE IGREJA é uma proposta para quem estiver disponível, individualmente ou em grupo, a penetrar no seu espírito e na sua acção.

É um texto de apoio para ser lido, meditado, corrigido, criticado… Foi alinhavado com alguma falta de tempo disponível, não pretende ser completo nem exaustivo. Tenho consciência das suas lacunas.

Não pretendo dar indicações metodológicas para a sua abordagem. Tal fica para os especialistas e para os que promoverem ou orientarem encontros sobre este tema.

Claro que este texto pode ser lido em leitura seguida, ou numa leitura mais rápida em diagonal, ou pegando nalgumas partes de maneira destacada.

Não é fácil citar o P. Dehon, pela extensão e diversidade dos seus escritos. As citações escolhidas não pretendem ilustrar o texto nem são completas, são afirmações do P. Dehon que valem por si, imbuídas da marca da sua actualidade hoje.

Em anexo, coloco alguns textos actuais que podem servir de reflexão hoje, no seguimento deste estudo. São textos interpelativos na linha de uma Igreja renovada hoje, segundo o espírito renovador do Concílio Vaticano II.

O autor

  

À partida, não se torna fácil abordar a figura e a obra do P. Dehon como homem de Igreja. De facto, não encontramos nos escritos do P. Dehon uma reflexão sistemática, aprofundada e exaustiva sobre a compreensão teológica que ele tem da Igreja.

Essa reflexão encontra-se nas variadas reflexões sobre temas como o reino de Deus, o Coração de Jesus, a doutrina e a acção social da Igreja, as referências à hierarquia, a formação dos leigos e sacerdotes, a mensagem das encíclicas dos Papas, a presença do P. Dehon no Concílio Vaticano I e respectiva reflexão, as missões, a Eucaristia, a Palavra de Deus… Em todas estas vertentes, podemos perceber o sentido eclesial do P. Dehon

Lancemos alguns olhares iniciais sobre o P. Dehon como homem de Igreja:

 

Por um lado, todo o ser e agir da sua pessoa estão envolvidos pela dimensão eclesial. A Igreja é uma realidade entranhada no âmago de si mesmo, o que nos levaria a abordar a sua vida em todas as dimensões. Nesse sentido, até se compreende que não haja muitos estudos ou reflexões sobre o P. Dehon como homem de Igreja, por tal realidade se tornar óbvia e evidente.

Por outro lado, esta abordagem tem a sua razão de ser, na medida em que encontramos no P. Dehon, apesar da falta de sistematização, alguns elementos fundamentais de compreensão e vivência da Igreja. Mesmo situado nos contextos e condicionalismos socio-culturais e religiosos da época, o P. Dehon não é um homem „datado”. As suas perspectivas, mais práticas que teóricas, rasgam horizontes estreitos e caducos, situando-o para além do seu tempo, na actualidade deste fim de milénio, na abertura aos desafios já presentes no novo século e no novo milénio que se aproximam.

 

O P. Dehon não se cansava de repetir com vigor: é preciso sair das sacristias! É preciso ir ao povo!

Eis a concepção de fundo que tem de Igreja, uma Igreja aberta ao mundo, aberta às esperanças e às angústias dos homens e das mulheres, procurando dar razões de esperança. Portanto, não se trata de uma Igreja exclusivamente encerrada em si mesma, nos seus cultos e símbolos, nas suas sacristias „baforentas”, mas de uma Igreja sempre atenta às preocupações e problemas de todos.

 

Na história vivida e reflectida da Igreja, o Concílio é o momento mais importante de reflexão, de renovação, de conversão, de decisão! Falar da Igreja hoje, é falar do Concílio Vaticano II como grande movimento renovador.

Claro que o P. Dehon viveu no tempo do Concílio Vaticano I, cerca de cem anos antes. Ele participou nele como jovem padre, em trabalho técnico de estenógrafo, mas não se limitou a isso.

Como homem de Igreja, o P. Dehon recebeu muito da vivência conciliar, sobretudo na dimensão da Igreja universal, uma Igreja que concretiza a sua existência na abertura a todos os povos e a todos os espaços geográficos, sociais e culturais.

Mas como participante nesse acontecimento, o P. Dehon também deu muito à Igreja. As suas notas e reflexões acerca do Concílio Vaticano I foram lidas com atenção, sobretudo na preparação do Concílio Vaticano II.

 

No seu tempo, o P. Dehon foi um dos maiores divulgadores das encíclicas do Papa Leão XIII, que insistiu com ele para que divulgasse as suas encíclicas, particularmente a Rerum Novarum, uma profunda reflexão e renovadora proposta sobre as questões sociais. O P. Dehon tinha acesso frequente ao gabinete do Papa, com quem dialogava com alguma frequência.

Divulgar o pensamento social da Igreja, através de reuniões e encontros, de artigos em jornais e revistas, de conferências, de retiros, de congressos… foram algumas das formas utilizadas pelo P. Dehon nessa divulgação.

Sabemos que, por mais incisivo e importante que seja um escrito do Papa, se não houver quem o divulgue e anuncie repetidamente para que chegue a toda a gente, acaba por ficar apenas como documento de arquivo tecnicamente bem elaborado. Lembremo-nos ainda que, na altura, não havia o império e a força globalizadora dos meios de comunicação social de hoje, como a televisão e a internet. O P. Dehon exerceu uma tarefa imprescindível e incansável.

 

Falando do P. Dehon em 1966, o Papa Paulo VI saudava-o como „apóstolo de que a Igreja do seu tempo tinha necessidade”.

Paulo VI pensava certamente no contributo dado pelo P. Dehon para a causa da „civilização do amor”, expressão tão cara a este Papa e que João Paulo II retoma com frequência. A Igreja precisa de apóstolos como ele para construir essa civilização do amor. O P. Dehon viveu noutra época e noutras terras, é certo. Mas foi profeta e precursor dos novos tempos e da Igreja renovada e renovadora.

Dele escreveu o cardeal Paulo Evaristo Arns, bispo de S. Paulo no Brasil:

„O P. Dehon transmite-nos a forte experiência de Deus na devoção original ao amor do Coração de Cristo, proposta como caminho para a Humanidade. Marcou com a sua experiência a identificação da Igreja com os pobres e pequeninos do povo. Em vez de diminuir, cresce com a distância dos anos. Pode e deve ser conhecido pelo apóstolo da Civilização do Amor”.

 

A espiritualidade do Coração de Jesus, o primado do Amor de Deus no coração das pessoas, a promoção do Reino de Deus… são elementos que este homem de Igreja espalha sem cessar por toda a parte.

Não apresenta teorias sobre a Igreja. Estuda a sério a situação da Igreja e do mundo em que vive, analisa as profundas injustiças em relação aos operários, aos pobres e excluídos, propõe a transformação social como missão evangelizadora da Igreja, fomenta a imprescindível formação do clero na Igreja, apresenta a Igreja como lugar de construção do reino do Coração de Cristo na sociedade:

„O reino do Sagrado Coração na sociedade é o reino da justiça, da caridade, da misericórdia, da piedade para com os pequenos, para com os humildes e para com aqueles que sofrem. Peço-vos que vos dediqueis a todas estas obras, que as encorajeis, que as ajudeis.

Favorecei todas as instituições que devem contribuir para o reino da justiça social e que devem impedir a opressão dos fracos pelos poderosos” (OSoc. I, 233).

 

Um último olhar para referir as palavras do P. Dehon na sua obra de referência fundamental, o Directório Espiritual, ao apresentar as 24 virtudes próprias da nossa vocação. A última, breve e resumida mas densa e profunda, intitula-se „AMOR À IGREJA”:

„Devemos amar a Igreja e ser-lhe submissos, como filhos. Ela é tão amada pelo Coração de Jesus! Ela é a Sua esposa! A sua união é celebrada no Cântico dos Cânticos. S. João exalta a Igreja no Apocalipse. Foi por ela que o Senhor deu a vida. Por ela instituiu a Eucaristia.

Jesus vive na Igreja. Deixou-lhe toda a Sua autoridade a todas as Suas graças.

Amemo-la em si mesma, no seu chefe visível, nos seus ministros, nos seus ensinamentos, na sua liturgia, nas suas leis. Veneremo-la como nossa mãe”.

Neste amor à Igreja, que somos nós, povo de Deus, comunhão com Deus e com os irmãos, em que Cristo é o centro, particularmente na Eucaristia, vamos percorrer alguns aspectos da vida e dos escritos do P. Dehon, tentando redescobrir a sua pessoa como homem de Igreja. 

O Concílio Vaticano I foi o acontecimento eclesial mais marcante na vida do P. Dehon, acontecimento excepcional que influenciou o seu itinerário espiritual e eclesial. O P. Dehon participou como estenógrafo, para assegurar a transcrição fiel das sessões solenes. Note-se que, na altura, não havia computadores nem gravadores…

Convocado pelo papa Pio IX, o Concílio Vaticano I iniciou-se a 8 de Dezembro de 1869, com a presença de 774 bispos, vindos das várias partes do mundo onde acontecia Igreja. Há mais de 300 anos que a Igreja não se reunia em Concílio…

O Concílio de Trento, o último concílio realizado na Igreja, tinha sido em pleno século XVI (1545-1563). Fora na altura de grandes divisões na Igreja: a Reforma de Lutero e a Contra-Reforma da Igreja Católica. Nessa altura, os cristãos tinham-se dividido (católicos e protestantes), olhando mais para o que os dividia do que para aquilo que os unia; a Palavra de Deus deixou de ser estudada na nossa Igreja; acentuou-se a distância entre os leigos e os clérigos; a Igreja não conseguia ou nem sequer tentava dar resposta aos grandes acontecimentos da história, como a revolução francesa com os seus grandes valores de liberdade, igualdade e fraternidade, e a revolução industrial com toda a transformação radical trazida para a sociedade.

O Vaticano I acontece nesse contexto. Estamos numa época de grandes convulsões sociais, políticas e eclesiais. É a época da industrialização, das grandes ideias de Marx, da exploração dos operários e trabalhadores, do movimento de grandes reformas. Na Europa, dá-se a guerra franco-alemã com enormes consequências até aos nossos dias. É a época em que o Papa é despojado de todo o poder temporal; o papado transforma-se profundamente, assumindo uma função mais espiritual que política.

É neste ambiente de grandes mudanças na sociedade e na Igreja que acontece o Concílio, em que a função papal se reorienta numa linha mais pastoral, acabando por se acentuar uma linha mais dura da infalibilidade pontifícia, na acentuação da autoridade pessoal do Papa, chegando-se mesmo a formas exageradas de devoção pessoal à figura do Papa.

Qual o sentido da presença do P. Dehon em todo este acontecimento do Concílio, no contexto socio-político de então?

Qual a imagem que recebemos do P. Dehon aquando do seu trabalho no Concílio Vaticano I?

O P. Dehon é apresentado como um dos 24 estenógrafos que aí trabalharam afincadamente. Era padre há um ano, com os seus 26 anos. Mas o P. Dehon tornou-se mais do que isso, devido ao Diario que escreveu sobre o Concílio, contributo importante para a sua história e compreensão. O Diario revela-nos a visão que o P. Dehon tinha do Concílio e da Igreja em geral. Quando o escreve, mais de 20 anos depois do Concílio, já andava pelos seus 50 anos, certamente com um olhar já mais experiente da vida.

Que conteúdo nos apresenta o Diario del Concilio Vaticano I?

Como se situa o P. Dehon no Concílio?

Que análise faz da Igreja situada no tempo e, particularmente, dos seus representantes no Concílio?

Que tendências se revelaram no Concílio?

À luz do Diario, podemos situar o P. Dehon nalgum dos grupos ou tendências: galicanos e liberais, por um lado, e tradicionalistas, por outro?

Ou devemos continuar a ver a presença e a relação do P. Dehon no Concílio como mero observador-estenógrafo imparcial e distante?

Em todas as páginas desde escrito do P. Dehon, está subjacente e saliente o seu amor à Igreja, a sua dedicação ao Papa, o seu juízo de valor acerca das tendências presentes nos debates, uma espiritualidade profunda e uma fé viva e vivida.

Para perceber a visão do P. Dehon em relação a este acontecimento importante da história da Igreja, é pertinente recordar em grandes linhas as tendências existentes na Igreja no século XIX:

a) Um movimento restauracionista, que vai desembocar no Concílio Vaticano I, mais especificamente na definição dogmática da infalibilidade pontifícia. O P. Dehon situa-se nesta posição, que era afinal a mesma da Igreja hierárquica e institucional, se assim nos quisermos exprimir. Isso não significa que o P. Dehon não tivesse uma visão mais aberta da Igreja, como veremos nalguns pontos seguintes. Já então os meios de comunicação social (os jornais) tinham a sua força extraordinária na opinião pública. La Civiltà Catolica na Itália e L'Univers na França eram, sem dúvida, os meios de comunicação social mais potentes no apoio a este movimento.

b) Um movimento galicano e liberal, de oposição a uma centralização na Igreja romana e defendendo grande autonomia e independência para as Igrejas nacionais. Tinha os seus representantes principais na Alemanha e na França. O jornal Le Correspondant era o porta-voz de todo este movimento. A crítica que o P. Dehon faz a este movimento é muito severa, não aceitando minimamente as suas posições.

c) Um movimento de renovação a partir da Escola de Tubinga, na Alemanha, que reflectia a teologia da Igreja à luz da Escritura e dos Padres da Igreja, e não exclusivamente a partir do direito canónico e das instituições jurídicas. Teve alguma influência no Vaticano I. Porém, esta tendência foi rapidamente diminuída e eliminada pelo movimento de restauração. Só no Concílio Vaticano II, cerca de 100 anos depois irá dar frutos maduros. O P. Dehon não faz o mínimo eco de todo este dinamismo renovador no seu Diario. Mas veremos que, como homem de Igreja, existem inúmeros dinamismos renovadores na figura e na obra do P. Dehon.

Relativamente aos movimentos galicanos e liberais antes e durante o Concílio, o P. Dehon diz o seguinte, num capítulo intitulado „a luta”:

„O Concílio deveria ser uma obra de paz e de união, mas muitas vezes não foi assim. Na realidade, no Concílio e fora dele, houve luta ardente e muitas vezes apaixonada.

Havia na Igreja, eu não diria uma facção ou um partido, mas uma escola, viva, ardente e apaixonada, a escola galicana e liberal. Os seus focos principais situavam-se na Alemanha e na França. O seu conjunto de doutrinas e tendências era bem conhecido. Tinha mais que uma fonte: o cesarismo napoleónico, a independência revolucionária, o parlamentarismo, o josefismo austríaco, o velho galicanismo de Luis XIV e dos legistas, o próprio jansenismo e a Reforma.

A luta concentrava-se no terreno da infalibilidade pontifícia, mas havia uma tendência em abandonar os laços do episcopado com a Santa Sé e das sociedades civis com a Igreja. Mal o Concílio foi anunciado, os partidos manifestaram-se” (Diario 20).

Portanto, logo nas primeiras sessões, notou-se a formação de duas tendências no Concílio. Segundo o P. Dehon, citando Veuillot, a tendência oposicionista até era uma coisa boa, mas o mal estava no espírito de oposição sistemática, obstinada e desordenada. Dehon chama mesmo aos representantes do galicanismo „netos de Lutero” e à escola liberal „filha da Reforma”. Contudo, ele aponta como negativo o facto de não se ter incluído nenhum teólogo desta tendência nas Comissões preparatórias do Concílio. Isso foi um estreitamento de horizontes, um exclusivismo crasso.

„A maioria dos bispos ficaram mudos quando viram formar-se um partido de oposição. Isso entravava o Concílio. Havia dois campos. A caridade sofria com isso. As sessões eram menos edificantes do que aquilo que deveriam ser. A divisão tinha eco na imprensa de todo o mundo” (Diario, 80).

Portanto, havia aqueles que queriam que se definisse rapidamente a questão do Papa como infalível, eram a maioria. Havia também aqueles que se opunham a isso, e que intensificavam a luta através de jornais, brochuras, intervenções no Parlamento, petições ao Papa…

Relativamente às brochuras, o P. Dehon comenta deste modo a proibição que o Papa faz da sua publicação em Roma: „Felizmente! Senão teríamos tido um Concílio por brochuras ao lado daquele que se fazia em S. Pedro”. Ou ainda, a propósito da grande circulação de brochuras e panfletos: „havia um pequeno concílio às portas do Concílio”.

Em suma, o P. Dehon, apesar de um espírito crítico e lúcido, não se mantém distante destas controvérsias. Antes, manifesta claramente o seu posicionamento, desmontando subtil e declaradamente todas as posições galicanas e liberais.

 

Dos inúmeros esquemas preparados para o Concílio Vaticano I, poucos foram discutidos e apenas dois foram promulgados, um sobre a fé e outro sobre a infalibilidade do Papa, deslocado do esquema primigénio sobre a Igreja. É certo que o Concílio foi interrompido devido à guerra que rebentara na Europa e, portanto, não houve tempo… Mas perdia-se muito tempo em questões de somenos importância, como o uso da sotaina ou o uso da barba nos eclesiásticos…

Sobre o belo decreto Dei Filius sobre a fé católica, o P. Dehon apresenta uma boa síntese, apresentando os grandes princípios da doutrina cristã e criticando as formas que lhe são contrárias.

Houve grande discussão e perdeu-se muito tempo acerca do „pequeno catecismo”, sem se chegar a qualquer resultado prático. Discursos muito repetidos e morosos… Como dizia o P. Dehon, era um tema fácil sobre o qual cada um gostava de dizer alguma coisa. Uns queriam um catecismo comum para todas as nações. Outros queriam apenas catecismos regionais, por províncias ou por reinos. Como vemos, nesta discussão, estava bem presente a compreensão que se tem da Igreja, com os seus diferentes movimentos em liça.

O tema da infalibilidade pontifícia, definido na constituição Pastor Aeternus, a 18 de Julho de 1870, foi discutido e decidido, sem a correcta e completa reflexão sobre a Igreja. Houve duras discussões, chegando-se a posições demasiado extremadas. Nas vésperas da proclamação da definição, o P. Dehon descreve deste modo o ambiente que se vivia:

„A nossa alegria está misturada com tristeza. Há descontentamentos violentos, partidas apressadas, conciliábulos. No Casino reservado da Vila Borghese, delibera-se sobre as últimas tentativas a pôr em jogo, sobre uma ida ao Vaticano para pedir o adiamento. Entretanto, prepara-se tudo. O papa e a cúria romana estão calmos e confiantes” (Diario, 183).

 

O Diario del Concilio Vaticano I do P. Dehon não é uma obra sistemática e sistematizada. Antes, é um conjunto de notas soltas, desligadas entre si, sem constituir propriamente um conjunto harmonioso e coerente. Porém, ainda hoje continua a ser ponto de referência na compreensão do Concílio Vaticano I, sobretudo no sentido de lançar a ponte possível para o Concílio Vaticano II.

Na preparação do Concílio Vaticano II, o Cardeal Suenens, bispo de Bruxelas, foi encarregado pelo Papa de coordenar todos os esquemas preparatórios numa unidade orgânica. O Papa João XXIII aconselhou-o precisamente a ler o Diario do P. Dehon, como ajuda imprescindível nessa preparação. O Cardeal Suenens dá-nos conta disso numa carta dirigida ao Papa João XXIII, em 1962:

„Acabo de ler o Diario del Concilio Vaticano I do P. Dehon, cuja leitura Vossa Santidade me tinha aconselhado: é cheio de interesse, de vida e de ensinamento quer sobre aquilo que é necessário fazer… quer sobre aquilo que não é preciso fazer. É um livro à glória do Espírito Santo, que age através de instrumentos sempre muito deficientes e, por vezes, tão pobremente humanos” (Cardeal SUENENS, Aux origines du Concile Vatican II, in NRT 107/1985, 10).

De facto, o P. Dehon, com as suas notas, abre perspectivas a partir do Vaticano I. Apresenta detalhadamente todo o material preparado para o Concílio, resumido em quatro séries: a fé; a disciplina; os regulares; os ritos orientais e missões. Analisa as lacunas do Concílio na apreciação dos esquemas: falta de uma reflexão global sobre a Igreja, desconhecimento da acção social da Igreja, falta de reflexão sobre a vida religiosa, etc. Mas o autor do Diario mantém um olhar optimista:

„O que o Concílio não pôde fazer, a Santa Sé poderá fazê-lo a pouco e pouco, quer através de Cartas pontifícias quer através de decretos das Congregações. Recolhendo estas decisões pontifícias, poder-se-á, alguns anos depois do Concílio, escrever uma recolha intitulada: o Concílio sem o Concílio” (Diario, 199).

O P. Dehon como homem de Igreja no Concílio Vaticano I. Utilizando uma frase feita, podemos dizer que o P. Dehon se sentia Igreja numa atitude conservadora. Num certo sentido, é um homem do „sistema eclesial”, não do „sistema eclesiástico”.

Não é conservador no sentido sociológico do termo, para manter o „status quo”, sem abertura ao futuro e à novidade do Espírito e dos carismas.

É conservador, no sentido bíblico dos escritos neotestamentários mais tardios: fidelidade à doutrina e aos pastores legítimos.

Assim, o P. Dehon é um homem da renovação da Igreja, a partir de dentro, pois é um homem que vive no interior da Igreja. O seu sentido crítico só faz sentido nesta identidade e não a partir de fora.

É certo que, no seu Diario, não aparecem quaisquer indícios de uma eclesiologia de comunhão, tal como compreendemos a Igreja hoje, numa maior fidelidade à Escritura. Porém, na sua acção espiritual e social, o P. Dehon revelou concretamente a visão de uma Igreja que é de Deus e dos homens, de uma Igreja que não pode isolar-se do mundo, encerrada no seu canto cultual e sacramentalista à laia de gheto, mas deve abrir-se e situar-se como presença de Deus no mundo dos homens.

Neste sentido, toda a sua acção social, para a qual ele já aponta na parte final do Diario, faz parte de uma autêntica compreensão de Igreja. Desse modo, o P. Dehon, pelo seu escrito e pela sua acção posterior, contribuiu remota e activamente para o grande acontecimento da Igreja no século XX, o Concílio Vaticano II.

  

O Coração de Jesus foi a força interior que moveu continuamente o P. Dehon. Como homem de Igreja no seu tempo, contribuiu para que o Coração de Jesus reinasse nas almas e nas sociedades. Sonhou com isso, lutou por esse projecto, tentou que ele se tornasse realidade. Fê-lo pela contemplação, pelo silêncio interior, pela intensa vida contemplativa. Fê-lo também pela acção apostólica, pela luta social.

Aponta o Coração de Jesus como caminho do homem, como caminho da Igreja, como caminho da sociedade.

O P. Dehon torna-se arauto do reino do Coração de Jesus, como resposta às interrogações do coração humano. Conversão pessoal e justiça social: os alicerces do reino assentam na prática destas dimensões.

A Igreja mergulha as suas raízes em Cristo, no seu Coração, no Amor que transforma os corações e as sociedades. A Igreja deve lutar pela partilha, pelo amor, pelas condições justas de trabalho, pela habitação para todos… A Igreja aponta para o reino do Coração de Jesus que deve começar nos indivíduos, penetrar nas famílias e envolver toda a sociedade.

„É necessário que o culto do Coração de Jesus, começado na vida mística nas almas, desça e penetre na vida social dos povos. Ele trará o soberano remédio para os males cruéis do nosso mundo moral” (OSoc. I, 3).

Bebendo da fonte que é o Coração de Jesus, o P. Dehon como homem de Igreja pratica a contemplação na acção e a acção na contemplação. Só assim faz sentido o ser e o agir da Igreja, na atenção constante ao homem. Como diz um dos seus discípulos hoje:

„O que faltava era arregaçar as mangas. O problema da sua Igreja não eram ideias ou directivas; era fé na pessoa humana e coragem de mudar o que devia ser mudado… Era preciso mergulhar na política para mudar a Sociedade, mas antes disso era urgente tornar o coração humano semelhante ao de Jesus!” (P. Zezinho, Por causa de um certo reino, 26).

O amor de Deus vivo torna-se presente no amor do Coração de Cristo. O Coração de Jesus como aquele que nos chama e nos congrega em Igreja. Nas palavras iluminadas do P. Dehon:

„O Coração de Jesus é o sol que nos ilumina através da sua Igreja, esta Igreja que Jesus concebeu na atenção do seu Coração por nós, que ele adquiriu e fundou pelo sangue do seu Coração. O Coração de Jesus aparece no seio da Igreja como o astro que tudo ilumina, tudo anima e tudo vivifica” (OSp. I, 504).

A Igreja é gerada no Coração de Jesus, a Igreja procura espalhar o reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade, a Igreja luta pela promoção dos valores do Reino, como a vida, a dignidade, o bem, a verdade, a justiça, o amor, a paz…, a Igreja constrói a civilização do Amor!

O P. Dehon não é único nesta luta, é certo. Mas, no seu tempo, a grande novidade da sua proposta está na insistência, sem cessar e sem se cansar, da reflexão e das acções tendentes a construir o reino do Coração de Jesus na sociedade. Está convicto da fidelidade ao Coração de Jesus, como autêntico profeta que tem a coragem de ir contra a corrente. Isto num mundo que se regulava quase exclusivamente (tal como hoje!) pelas leis da economia. O P. Dehon anuncia o caminho radical do Evangelho e do Coração de Jesus:

„Só o Coração de Jesus pode dar à terra a caridade perdida. Só ele reconquistará o coração das massas, o coração dos operários, o coração da juventude. Esta nova conquista dos corações começou manifestamente com o Sagrado Coração” (OSoc. I, 5).

  

As nossas Constituições apresentam a Eucaristia como sendo o momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação, como fonte e cume da vida cristã e religiosa.

De facto, a Eucaristia é o momento central da vida da Igreja. O momento para o qual converge toda a vida com as suas agruras e alegrias, as suas angústias e esperanças, os seus fracassos e realizações. O momento do qual parte todo o entusiasmo, coragem e força interior para continuar a caminhada da vida. Por isso, toda a vida é Eucaristia, é acção de graças. A Eucaristia como ponto de chegada da vida, momento alto de celebração e ponto de partida para a vida. Ou como dizia Paulo VI, „a Igreja faz a Eucaristia, a Eucaristia faz a Igreja”.

O P. Dehon encontrava na Eucaristia a força, a coragem e o entusiasmo para enfrentar as dificuldades, para ter uma atitude constante de disponibilidade para se doar a todos. Vivia a Eucaristia centrada no Coração de Cristo.

„Obra de Amor, a Eucaristia pertence ao Sagrado Coração e reclama-o como seu princípio e seu lugar de origem… S. João, tendo mergulhado mais profundamente nos abismos do Coração de Jesus, empenha-se em clarificar a natureza, a razão de ser e o carácter da Eucaristia. E caracteriza-o com uma palavra: a consumação do amor. O amor da Eucaristia entrega o Cristo pessoal na plenitude da sua vida de Deus, de homem e ressuscitado, entrega-o como alimento, como bebida; ele atira-o para o fundo do ser, fá-lo penetrar até à alma…” (OSp. V, 456s).

A Eucaristia era o momento mais importante do dia para o P. Dehon. Por isso, celebrava-a com calma, sem pressas, com muito recolhimento, numa longa acção de graças. Costumava dizer frequentemente: „A missa é tudo para mim”. Toda a sua vida, toda a sua espiritualidade, toda a sua obra estão impregnadas pela dimensão eucarística. É um grande dom que ele deixou à Igreja, a todos nós.

„O Santo Sacrifício da Missa é, para todos os Sacerdotes do Coração de Jesus o grande acto do dia…” (Dir. Esp. V, 4).

„A Missa é o acto culminante do dia, o acto divino, é o acto que nos caracteriza, e é a razão de ser dos Sacerdotes do Coração de Jesus. Expressar-se-ia tudo o que devemos ser, se se dissesse: os sacerdotes do Sagrado Coração celebram e participam santamente na Missa” (Cahiers Falleur, III, 5).

A Eucaristia faz-nos contemplar e ver Cristo que está presente no irmão e no mais pobre, no mais abandonado e rejeitado, no mais excluído e ultrajado. A Eucaristia leva-nos a sair das nossas mentalidades utilitaristas e consumistas, leva-nos a sair dos nossos egoísmos e autosuficiências, leva-nos a abrir o nosso coração ao Coração de Cristo e ao Amor de Deus Pai, abrindo-o simultaneamente ao coração do irmão, de modo gratuito, entusiasta e terno.

„A Eucaristia é o foco, a base, o centro de toda a vida, de toda a obra, de todo o apostolado… O operário do Evangelho que não vive da Eucaristia não possui mais do que uma palavra sem vida e uma acção sem eficácia” (NQ XXV, 46-47).

A comunidade e a fraternidade que a Igreja deve ser no mundo só se realiza de facto a partir da Eucaristia. A oblação das nossas vidas - religiosos e leigos - a Cristo, assim como a adoração eucarística, são momentos privilegiados que o P. Dehon propõe quer como antecipação ou prolongamento da missa, quer realização do nosso ser Igreja ao longo das nossas vidas em cada momento do dia. Sem a adoração eucarística, a Obra deixada pelo P. Dehon ficaria incompleta na sua missão.

„A minha última palavra será para recomendar-vos ainda a adoração quotidiana, a adoração reparadora oficial, que fazemos em nome da Igreja…” (Testamento Espiritual do P. Dehon).

  

O P. Dehon era um homem de Igreja, centrando a sua vida na Palavra de Deus: Palavra que brota do Coração de Jesus; Palavra que marca a vida da Igreja; Palavra que é presença real de Cristo na Eucaristia; Palavra que é Boa Nova que nos provoca e interpela numa conversão permanente.

É importante notar esta prioridade dada pelo P. Dehon à leitura e estudo da Palavra de Deus, numa altura em que na Igreja havia descurado o estudo da Palavra de Deus, fruto sobretudo das disputas com os irmãos protestantes séculos antes.

Ainda com 19 anos, quando estava num apartamento modesto em Paris com o seu amigo Palustre, a Palavra de Deus era o seu alimento diário:

„Nós gostávamos do trabalho. Levantávamo-nos às cinco da manhã e começávamos o nosso dia com meia hora de leitura da Sagrada Escritura…” (NHV 1862, 2v).

Mesmo sem ter os meios exegéticos para o estudo da Bíblia como temos hoje, o P. Dehon lê assiduamente a Palavra de Deus, cita-a abundantemente, medita-a profundamente. É a Palavra de Deus que nos revela o Coração de Cristo, fazendo-nos mergulhar nele. Algumas passagens, entre inúmeras outras, revelam esta dimensão do P. Dehon, extremamente actual para a renovação da Igreja:

„Os Apóstolos do Sagrado Coração devem, por conseguinte:

1º - colocar toda a sua eloquência no Santo Evangelho; é o livro que devem incessantemente estudar, meditar, isto é, devorar…

2º - apresentar este livro divino sob a sua forma nova, isto é, tudo conduzir à pregação do Sagrado Coração” (OSp. II, 260).

„O Coração de Jesus é o sol que nos ilumina pelo seu Evangelho, esse Evangelho que… iluminou as trevas e que deve levar a todas as nações e todas as almas no meio das obscuridades da morte, a doce influência da sua claridade divina, a fim de dissipar os seus erros e de dirigir os seus passos no caminho da paz” (OSp. I, 503-504).

„O Evangelho é, como a Sagrada Escritura, o sacramento do Coração de Jesus. Este divino Coração está, sob a letra, escondido no seu amor e nos seus tesouros de graças; as suas palavras são espírito e vida… É necessário meditar sobre o Coração de Jesus no Evangelho: está tudo aí” (OSp. II, 261-262).

„O Coração de Jesus, o amor de Jesus, é todo o Evangelho. Não há que procurar no Evangelho outra coisa que não seja o amor de Jesus, desde a incarnação até à morte” (OSp. V, 447).

O homem precisa do pão quotidiano e da Palavra. A Igreja nasce da Palavra e para a Palavra. Em Igreja, com o exemplo do P. Dehon, somos convidados a testemunhar e a transmitir a Palavra a todas as nações. É a nossa missão profética. Convidados a construir a Igreja, que se reflecte e se renova na Palavra, sobretudo em momentos de crise e de aridez.

  

Falar do P. Dehon como homem de Igreja na sua dimensão social exigiria um espaço mais amplo, pois tal abrange toda a sua vida e acção.

O carisma que ele recebeu e transmitiu como dom à Igreja e a espiritualidade que ele propõe estão impregnados pelo dinamismo social.

O Coração de Jesus, o seu reino de justiça e de amor, a dinâmica do amor e da reparação, o opção de vida como profeta do amor e servidor da reconciliação… têm a marca do „social”.

Isto significa que, para o P. Dehon, a Igreja que está no mundo ao serviço de Deus e dos homens, só se compreende como algo que faz parte da sua identidade. A dimensão social não vem por acréscimo, como consequência, como apêndice…

Desde muito cedo, ele preocupou-se pelas questões sociais como tarefa fundamental da Igreja, que deve ser fermento na sociedade. Nesse sentido, lança o grito profético „é preciso ir ao povo”. Só na medida em que sair do seu mundo demasiado fechado sobre si mesma, a Igreja pode ser fermento na massa, dando esperança e apontando novos caminhos face aos graves problemas que vão surgindo aos homens e mulheres.

„É necessário estudo, acção e oração. Precisamos de mestres, apóstolos e santos… Precisamos de apóstolos, homens de acção… Os homens não vêm mais a nós; nós devemos ir a eles!” (OSoc. III, 367-368).

Há mais de cem anos, o P. Dehon foi arauto da doutrina social da Igreja. Os seus escritos tiveram grande impacto e influência: não só os bem conhecidos Manual Social Cristão e o Catecismo Social, mas também muitos livros escritos, artigos, conferências, círculos de reflexão, reuniões, etc.

Lutou para que todos tivessem um trabalho digno e um salário justo, de acordo com as necessidades da família, defendeu uma legislação de acordo com isso, pugnou pelos sindicatos livres, pelo descanso dominical, por melhores condições morais e higiénicas nas fábricas, pela participação dos operários nos lucros das empresas.

Nesta área, este homem de Igreja é incansável: cria o oratório São José para os filhos dos operários, círculos operários, um jornal com o objectivo de contribuir para a formação social das famílias aristocratas; é encarregado pelo bispo de Soissons das actividades sociais da diocese; faz pesquisas de âmbito social; organiza congressos sociais diocesanos; conhece e trabalha com os grandes pioneiros da acção social cristã na França. Não tem medo de dizer aos patrões cristãos, como autêntico profeta que anuncia e denuncia:

„Vocês destroem, durante a longa e tenebrosa noite de seis dias de trabalho, o que nós tecemos com tanto esforço durante a bela jornada de domingo” (NHV XII, 121).

Percebemos claramente a actualidade deste homem de Igreja:

- uma Igreja mergulhada nos problemas dos homens no mundo em que está, particularmente os mais pobres e miseráveis;

- uma Igreja que tem que refazer a consciência social em todos os níveis e promover continuamente essa renovação em toda a gente e em todos os espaços;

- uma Igreja que, mais do que trabalhar pelos pobres, deve trabalhar com os pobres e a partir dos pobres;

- uma Igreja que exige e fomenta a justiça social, não se contentando com a simples caridade e esmola;

- uma Igreja que defende a caridade como justiça social nos sindicatos, nas cooperativas, nas caixas de crédito, nos seguros, na luta por uma legislação que defenda os operários;

- uma Igreja que não se cansa de promover a dignidade da pessoa humana, nos seus direitos e deveres.

„Quanto a nós, concluímos com a Igreja que, seja onde for e sempre, o homem conserva a sua dignidade humana e cristã, que é injusto fazer abstracção dos seus direitos sagrados, para não ver nele senão o trabalho mecânico; a ciência económica, por conseguinte, longe de poder ser imoral, tem que tratar o homem como homem e como cristão” (OSoc. II, 4).

Ficam ainda como exemplo algumas breves citações do P. Dehon, que revelam toda a actualidade do seu pensamento como homem de Igreja na sua dimensão social:

„Nós mostramos particularmente os monopólios, os açambarcamentos, os golpes na bolsa, a agiotagem, as propagandas mentirosas, a chantagem, o ágio no câmbio, a venda acima do preço justo, as especulações sobre os salários.

Esta acção usurária invadiu todas as relações da vida social de hoje. É preciso despistá-la em todo o lado. É preciso a todo o custo fazer reinar a equidade e estabelecer a justiça em todos os negócios, se não quisermos que os oprimidos, sempre mais descontentes, derrubem essa sociedade que não os protege” (OSoc. I, 220).

„Uma sociedade cristã deve estar organizada de tal forma que o trabalhador precise recorrer o quanto menos possível à caridade” (OSoc. II, 22).

„Entre nós se compreendeu que a esmola é necessária em casos de miséria extrema e como exercício pessoal de altruísmo. Mas não é com ela que vamos resolver a questão social. Por mais generosos que possamos supor os ricos, a sua caridade nunca será mais do que paliativo insuficiente… Nós pedimos um tempo normal de trabalho para os homens, as mulheres e as crianças. Nós pedimos também um mínimo de salário para todos” (OSoc. III, 271).

Tudo isto dito, não hoje, mas há um século atrás!

  

„Pregai as minhas encíclicas!” Este apelo do Papa Leão XIII teve um eco particular e intenso no P. Dehon. Os dois eram muito amigos, até se falava que o P. Dehon seria bispo… Não era isso o que queria nem tal o preocupava.

Ouviu o apelo do Papa, não se cansou de o concretizar em todo o mundo, espalhando a mensagem social da Igreja, sobretudo a partir da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII: na França, em vários congressos nacionais e em semanas sociais sobre a questão social; em Roma, em várias conferências na presença de bispos e cardeais, na criação do Círculo Internacional de Estudos Sociais; na Europa e fora da Europa, com as suas inúmeras viagens e conferências.

„Eu quis contribuir para a promoção das classes populares mediante o reino da justiça e da caridade cristã. Gastei nisso uma boa parte da minha vida… Leão XIII quis considerar-me um dos fiéis intérpretes das suas encíclicas sociais. Mas também neste campo o trabalho deve ser continuado. As massas não estão ainda convencidas que a Igreja detém as soluções verdadeiras e práticas para todos os problemas sociais” (OSoc., VII, 224-225).

O P. Dehon legou-nos centenas, senão milhares de páginas que revelam o esforço em divulgar a doutrina social da Igreja por todos os cantos do mundo e a todo o género humano. Considerava isso como missão da Igreja, que deve ter um ouvido atento ao Evangelho e outro ao povo e seus problemas. Partia quase sempre dessa grande encíclica de Leão XIII:

„Desde o início da sua Encíclica, Leão XIII apresenta os males intoleráveis de que sofreram os operários; ele não os apresenta como misérias fatais, mas como injustiças sociais e privadas. Ele não pede aos católicos apenas paliativos para essas injustiças, pela caridade, ele exige que sejam suprimidas.

A Encíclica não é um simples convite à esmola; ela estabelece e reivindica as linhas primordiais dum direito do trabalho, fundado sobre princípios cristãos.

Se no fim a Encíclica fala de que a solução social virá duma maior efusão da caridade, todo o contexto indica que ela fala da caridade em sentido lato, que começa pelo cumprimento da justiça” (OSoc. III, 333).

Na pregação das encíclicas sociais, assim como nas acções, obras e iniciativas que tomava, o P. Dehon denota uma visão de Igreja diferente da existente nos séculos anteriores. Não se trata de uma visão de Igreja assistencialista e paternalista, uma Igreja „para” os pobres…, mas de uma Igreja compreendida na sua dimensão social, profética e política, uma Igreja „com” os pobres e „a partir” dos pobres. Trata-se de uma Igreja que defende a verdadeira democracia dos povos, o seu direito a organizarem-se e a tomarem em mãos a decisão do rumo a tomar e da mudança das estruturas da sociedade, uma Igreja que defende o progresso como promoção da dignidade humana e da sua liberdade.

„Há quem fale muito dos interesses do povo e da sua dedicação à classe popular, mas na prática servem-se do povo em vez de servi-lo. Esses não são democratas, são políticos e interesseiros” (OSoc. I, 226).

„O problema social não é simples questão de estômago; é uma questão de equidade, de moral, de justiça….

É uma questão de dignidade. O povo conservou no coração um sentimento de nobreza cristã, de honra, de fraternidade, de humanidade.

É no fundo uma questão filosófica e teológica. Ela abrange o fim das sociedades, as relações das classes sociais, as relações comerciais, o contracto de trabalho. E não são justamente os ministros de Cristo os guardiões naturais da justiça, da equidade, da fraternidade cristã?” (OSoc. III, 359).

Profeta dos novos tempos, denunciador das situações gritantes de injustiça, anunciador de propostas face às questões sociais, divulgador do pensamento social da Igreja segundo o pensamento do Papa Leão XIII, nas suas encíclicas sociais…, o P. Dehon revelou-se um homem de Igreja, na atenção aos problemas do povo, na procura de soluções para os males da sociedade e da própria Igreja, na contínua formação social dos leigos e sacerdotes, entre outros aspectos.

No elogio fúnebre do P. Dehon pronunciado pelo cardeal Binet em Agosto de 1912, está resumida esta grande dimensão do P. Dehon como homem de Igreja: „Talvez não tenha havido apóstolo mais fervoroso do lema de Leão XIII: É preciso ir ao povo!”

De facto, o P. Dehon compreendeu que se estava a viver uma nova etapa na vida da Igreja: uma Igreja aberta às novas ideias; uma Igreja atenta aos sinais dos tempos, como a ânsia de tolerância, de liberdade, dos direitos humanos, do progresso, da participação social e política; uma Igreja que escuta, que fala, que propõe, que age; uma Igreja da nova época, que sabe estar com os jovens, em formação e acção:

„É realmente uma nova era a que Leão XIII quer inaugurar.

A falsa interpretação do direito divino… a falsa noção de Estado, a política do maquiavelismo e do utilitarismo… o absolutismo do estado e a centralização… o liberalismo económico, a preponderância do capitalismo e da burguesia que açambarcam os poderes públicos para orientar todas as leis em seu proveito… tudo isso é era antiga.

A submissão do Estado às leis morais, o seu respeito pela vida familiar… a participação das classes populares organizadas na vida política, a votação de leis favoráveis à justiça social e ao bem das classes inferiores… esta é a nova era…

É necessário que os católicos saibam falar, mas também é necessário que saibam agir. Não se vai longe com palavras, mesmo na França onde a eloquência tem tanto prestígio. É necessário poder mostrar resultados concretos ao povo.

Portanto, agi, jovens católicos, formai-vos na palavra, mas também produzi actos e obras” (OSoc. I, 496-497).

  

Estar em missão… é a razão de ser da Igreja. A Igreja é por natureza missionária. Senão, não seria Igreja. A Igreja é missionária, porque participa da missão de Cristo. A missão de Cristo prolonga-se no tempo e no espaço. Cristo confia a sua missão à Igreja. A Igreja é pela missão e para a missão, a missão é a causa da sua existência. Toda a estrutura da vida da Igreja deve prosseguir esse objectivo fundamental.

Na altura, a Igreja tinha-se encerrado demasiado nos seus mundos, nos seus grupinhos, estava demasiado estática, passiva, centrada em si mesma, virada para o passado. Faltava-lhe o zelo, a coragem, o dinamismo da acção, um olhar de esperança no futuro. Estava acomodada à situação, às obras feitas, sem olhar às necessidades reais do presente e do futuro. Na viragem do século, em 1900, o P. Dehon lança mais um apelo veemente aos eclesiásticos reunidos em congresso:

„E que dizer do zelo? Face à dificuldade do nosso papel, não perdemos coragem? Não repetimos aquela palavra de traição não há nada a fazer, quando há tudo a fazer? Mantivemos e aperfeiçoámos os nossos estudos? Fundámos as obras que respondem às necessidades actuais?” (OSoc. IV, 564-565).

O P. Dehon ajudou a recuperar o sentido mais genuíno e original da missão entendida como „acção de enviar”. Ele sonhava com uma Igreja que fosse mais missionária, mais aberta ao povo; a sua formação, o seu zelo apostólico, os seus ideais denotavam ser um homem com uma mentalidade eclesial missionária.

Tem palavras duras e críticas, num rasgar de horizontes para o sentido da missão concretizada no dinamismo de grupos eclesiais, na cultura, na imprensa, no mundo operário.

„É preciso ir ao povo! É preciso… Os sacerdotes não podem ficar mais fechados nas suas igrejas e nas suas casas paroquiais. É preciso animá-los do espírito apostólico…

Vejam até aonde chegou a ilusão dos piedosos sacerdotes. Eles viram o mal crescer. Assistiram à apostasia de todo um povo e criaram… associações de meninas” (OSoc. II, 153.157).

O mesmo sentido de missão da Igreja norteia o P. Dehon nas missões mais longínquas ad gentes. Não concebendo uma Igreja estática, de cristandade, fechada nos seus ritos, o P. Dehon acentua repetidamente que toda a Igreja, leigos, sacerdotes, religiosos, é misssionária e está ao serviço da missão e da evangelização. Toda o mundo é uma enorme e extensa terra de missão, começando pela França, seu país, passando pela Europa e chegando a todos os continentes. Para ele, já não estamos no tempo em que o padre e mesmo os fiéis se fechavam na sacristia…

Ele próprio desejava ser missionário e sentia-se missionário:

„O ideal da minha vida, que formulava com lágrimas na minha juventude, era o de ser missionário e mártir. Parece-me que esse voto cumpriu-se. Sou missionário pelos cem missionários que enviei a todas as partes do mundo; e mártir também, pela terríveis provas pelas quais tive de passar nestes longos anos” (NQ XLV, 1-2).

Além disso, encorajava os seus missionários na missão bela e difícil a que eram chamados em terras longínquas:

„Sejam como fogo para fazer conhecido o amor do Coração de Jesus em todas as partes. Aceitem as cruzes da Providência como um meio infalível para fecundar o seu apostolado. Sejam generosos até ao fim e o seu desejo seja o de morrer na missão, para que o seu sacrifício seja completo e sem reservas” (Arquivo Dehoniano B-38/6).

  

Na compreensão que hoje temos da Igreja, a palavra comunhão aparece como o termo mais utilizado para a caracterizar. Tal decorre do Concílio Vaticano II e da reflexão posterior, em particular o Sínodo dos Bispos de 1985.

A Igreja é comunhão com Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo; esta comunhão realiza-se na Palavra de Deus e nos sacramentos, particularmente o baptismo e a eucaristia; a relação entre unidade e pluralidade na Igreja brota da comunhão que ela é; a Igreja é comunhão, a partir das noções de mistério, sacramento, corpo de Cristo, povo de Deus, redescobertas pelo recente Concílio. É comunhão como Igreja universal que se realiza plenamente nas Igrejas locais.

O P. Dehon, homem de Igreja no seu tempo mas lançando perspectivas de uma Igreja nova, não utiliza a palavra comunhão para dizer o que é a Igreja. Aliás, tal não se dizia na altura. Mas esta perspectiva está presente, pois ele recorre a outras noções e experiências eclesiais que caracterizam essa dimensão.

O recurso constante ao povo para dizer a vida que a Igreja deve ser é novidade na altura, com influências para os tempos de hoje. O P. Dehon não o fazia por demagogia. Pensava que era a maneira de ser Igreja, de viver em Igreja.

Ir ao povo… significava envolver-se nos seus problemas sociais, fomentar a sua formação, procurar encurtar e até anular a distância entre o clero e o povo, promover a missão dos leigos na Igreja. O P. Dehon estava convicto que ser Igreja só podia passar por aí. Foi uma das suas intuições fundamentais e sabemos que a noção de Povo de Deus foi uma das noções principais para caracterizar a Igreja como comunhão no Concílio Vaticano II.

Desde jovem, em Paris, ele sente este amor à Igreja que é comunhão, sente-se feliz por pertencer ao povo cristão, reza em nome da Igreja como missão para a sua vida, gosta de viver experiências eclesiais, reconhece a comunhão na Igreja através da sua história, monumentos, arte, literatura, na devoção do povo, na liturgia. Quando escuta conferências em Notre Dame, comenta, ainda jovem:

„Este grande auditório de homens atentos e visivelmente silenciosos, esta manifestação grande e elevada com uma apresentação em que não faltava a beleza literária, tudo isso me impressionava. A minha fé consolidava-se. Sentia-me feliz por pertencer ao grande povo cristão. Além disso, há aí uma onda de fé e de amor da Igreja que se comunica às almas” (NHV I, 33-34).

„Rezar em nome da Igreja, rezar com Jesus por todas as almas que lhe são queridas, é uma missão tão bela” (NHV V, 132).

Uma Igreja ao serviço do reino, que é comunhão fraterna, que é Esposa, Corpo de Cristo, Povo de crentes, uma Igreja sempre em formação e em renovação, uma Igreja aberta e acolhedora à riqueza na aceitação complementar das suas diferenças, uma Igreja que desperta a vocação humana e cristã dos leigos e está atenta às vocações sacerdotais e religiosas, uma Igreja em permanente construção e conversão para ser mais santa, mais próxima do povo, mais credível, uma Igreja mais dialogante, mais próxima dos mais pequenos, os preferidos do Coração de Deus…

A lista poderia continuar. Em tudo isso, o P. Dehon revela o sentido de Igreja que é Povo de Deus e comunhão, mesmo sem utilizar estas expressões de forma explícita.

„A Igreja é tanto a Esposa como o corpo místico de Jesus Cristo.

As almas consagradas ao amor do Coração de Jesus são como que o coração do Esposo, o órgão da Igreja para amar e consolar Jesus.

As almas reparadoras são como que o coração do corpo místico de Jesus Cristo, o órgão da Igreja para se imolar à glória de Deus e à salvação das almas…

As ordens consagradas ao amor são como o seu Coração. É a parte de Maria, de S. João, de Madalena: é a melhor parte” (OSp. V, 203).

Reflectir a realidade da Igreja como comunhão implica mergulharmos nesse dinamismo trinitário de amor e de comunhão em Deus e com os irmãos. Significa pensar a Igreja como mistério, como sacramento, como esposa, como corpo de Cristo, como povo de Deus, como realização da Igreja universal na Igreja local ou particular, na diocese e na paróquia. 

 

A insistência do P. Dehon na formação teológica, litúrgica, social e espiritual dos leigos e dos sacerdotes decorre da sua compreensão de Igreja.

Na Igreja, continuava a predominar uma perspectiva „verticalista” e „piramidal”, em que só os clérigos tinham acesso à formação e os leigos continuavam como membros passivos e sem formação. Mesmo a maior parte do clero não tinha grande formação, como constatava constantemente o P. Dehon.

Na compreensão renovada e renovadora do P. Dehon, todos têm acesso à missão da Igreja no mundo e devem estar em contínua formação. Daí ele lutar permanentente e perder muito do seu tempo e energias, promovendo essa formação contínua.

O alerta da situação decadente da Igreja tinha sido dado com precisão por Rosmini, num célebre livro saído em 1832, As Cinco Chagas da Igreja, e que teve enorme influência na época e mesmo neste nosso século XX que está a terminar. Quais eram as cinco chagas da Igreja? Era rica e estava aliada ao poder; era verticalista nas suas estruturas; o clero estava afastado do povo e, além disso, não tinha formação intelectual e teológica, rezando apenas missas e atendendo confissões; uma piedade individualista e nada litúrgica; tinha uma mentalidade clerical fechada às novas ideias trazidas pela cultura e vivida numa atitude constante de defesa e polémica.

O P. Dehon realiza inquéritos e sondagens, para constatar a realidade da Igreja, particularmente na diocese em que está. Tenta atacar o mal, sobretudo pela formação do clero, tanto ao nível teológico e litúrgico como social.

„O sacerdote deve ser um homem do seu tempo: sempre apoiado na Igreja, coluna e fundamento da verdade, deve falar a linguagem do seu tempo e não negligenciar o estudo dos graves problemas que agitam a sociedade” (OSoc. I, 541).

„As novas necessidades exigem evidentemente procedimentos novos; é preciso que a Igreja saiba mostrar que não é somente apta para formar almas piedosas, mas também para fazer reinar a justiça social, da qual os povos estão famintos; portanto, é necessário que o sacerdote se dedique a novos estudos e a novas obras” (OSoc. III, 366).

Constata o fosso que se foi cavando na Igreja, por culpa da sua acção tantas vezes desfasada da realidade e da não formação dos clérigos.

„Refugiamo-nos debaixo da nossa tenda…

O povo viu as suas liberdades políticas confiscadas pelos reis, os seus direitos económicos pela aristocracia financeira…

Os sacerdotes já não infundiam na vida social o espírito de justiça e o amor pelos pequenos. Contentavam-se em administrar os sacramentos aos que queriam recebê-los.

O povo desligou-se da uma religião que já não velava pelos seus interesses, e olhava os padres como cúmplices dos opressores. Muitos efectivamente o eram, ao menos pelo seu silêncio” (OSoc. III, 309-310).

Além disso, os sacerdotes têm a missão importante de acompanhar os leigos na sua formação espiritual e social:

„A missão do sacerdote é a mesma de Cristo; ela não pode restringir-se aos indivíduos e às famílias; ela abrange todas as formas da vida humana…

Os sacerdotes, disse Leão XIII, nas condições actuais da Igreja, devem tomar para si o papel de dirigir as multidões e os espíritos dos fiéis em virtude da sua autoridade, abertura e exemplo. De contrário, não poderá, sem pecado e sem escândalo, continuar a oferecer a Eucaristia” (OSoc. II, 376).

A acção dos leigos e a sua formação decorre da sua missão própria. Eles são sal da terra e luz do mundo, têm um papel novo e específico.

„O povo cristão deve readquirir a consciência dos seus deveres. Saberá que recebe a unção da confirmação para se mostrar cristão em toda a parte, tanto na vida social como na vida privada” (OSoc. III, 271).

„Os leigos devem ser sal da sociedade e luz da vida social… Estamos num mundo onde, há duzentos anos, foi deslocado o verdadeiro conceito de apostolado… O erro esconde-se hoje sob os nomes de prudência, inércia, moderação, impossibilidade” (OSoc. II, 173-174).

Para o P. Dehon, o apostolado da Igreja e a sua missão passam pelos leigos, pela sua vocação própria e não por uma função derivada ou delegada dos padres. Uma vocação e uma missão mais laicais e sociais que importa promover e formar, numa linha de acção.

Ir aos vivos, ir aos homens, ir ao povo… é a missão de toda a Igreja, padres e leigos.

„Antes de tudo, padre ou piedoso leigo, preciso que vos reforceis na ideia de que não sois feitos somente para o assento e a sacristia; que sois pela vossa parte o sal da sociedade e a luz da vida social… Se sois padres, alguns colegas mais idosos, que não conheceram senão os velhos métodos, vão olhar-vos como utopistas. Pios leigos e beatas vão gemer sobre a vossa temeridade…

Ide aos vivos, ide aos homens, ide ao povo, e então não passareis por ave de mau agoiro dos funerais!” (OSoc. I, 165-166). 

O P. Dehon pensava e tentava viver uma nova maneira de ser Igreja: uma Igreja plena de espiritualidade mais bíblica, fraterna, social e comprometida; uma Igreja mais contemplativa e mais missionária; uma Igreja mais profética e atenta aos novos sinais dos tempos; uma Igreja cada vez mais ao serviço dos pobres, no seguimento de Cristo; uma Igreja com força mística capaz de transformar as pessoas e a sociedade…

Tudo isso ele vivia como padre na sua diocese. Reparava que os cristãos eram piedosos, cumpriam o preceito da missa dominical, a religião era vivida praticamente como rotina de obrigações, os padres seculares faziam o que podiam, mas limitavam-se a um culto rotineiro e funcional, sem sair muitas das sacristias, a sociedade cada vez mais materialista e cheia de injustiças sociais não atendia a mensagem de Cristo.

O P. Dehon sonhava ser religioso desde o tempo do seminário, como forma de assumir com exigência e urgência a sua vida cristã em Igreja. Queria consagrar-se a Cristo, vivendo em comunidade fraterna, no espírito das bem-aventuranças, segundo os votos de pobreza, obediência e castidade, assumindo uma forma diferente de vida cristã.

Algumas passagens dos seus escritos denotam este desejo profundo do P. Dehon em viver como homem de Igreja na vida religiosa:

„Eu tinha a vocação religiosa desde o tempo da minha adolescência. Era sempre a conclusão dos meus retiros. Mas faltavam-me as luzes para escolher uma determinada comunidade. Procurava e esperava… Toda a minha atracção era para o Sagrado Coração e a reparação” (OSp. VII, 213-214).

„Portanto, quero entrar na vida religiosa que abraçarei de preferência à vida secular, para melhor praticar os conselhos de perfeição, e isso para a maior glória de Deus e a salvação da minha alma” (NHV XII, 159).

Opta pela vida religiosa, porque sentia que era essa a vocação a que Deus o chamava e não por oposição à vida secular, onde também se sentia muito bem. Nisto o P. Dehon dá-nos um grande testemunho, indicando todo o sentido profundo da vocação e do carisma que nos legou.

„Tudo me sorria na vida secular. Era amado por todos. Tinha êxito nas minhas obras… No entanto, não me sentia feliz… Percebia que não estava no meu lugar, e eu ansiava pela vida religiosa” (NHV XII, 116).

  

O P. Dehon recebeu um carisma próprio que entrega como dom à Igreja, levando outros a segui-lo na vida religiosa, na Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus que ele fundou.

Carisma que parte do Coração de Jesus, construindo a civilização do amor.

Carisma que provoca e convoca profetas do amor e servidores da reconciliação.

Carisma que bebe a sua espiritualidade e a sua acção na Eucaristia como obra principal do Coração de Cristo.

Carisma que nos leva à inserção total e à disponibilidade na vida da Igreja local e universal.

Carisma que gera autênticas comunidades de vida fraterna, baseadas no „sint unum”.

Carisma que exige a opção preferencial pelos pobres, pelo mundo operário, pelas missões, na abertura às necessidades mais urgentes e exigentes da Igreja.

Carisma do amor e da reparação.

Carisma do amor por puro amor, sem quaisquer condições ou interesses, o mesmo que Jesus praticou em toda a sua vida.

Carisma da reparação, conhecendo os pecados sociais e restabelecendo o reino de Cristo na sociedade, reino de justiça, de amor, de misericórdia, de compaixão, de verdade, de liberdade, de perdão, de respeito e promoção dos direitos humanos.

Carisma vivido em Igreja pelos religiosos dehonianos e partilhado pelos leigos da Família Dehoniana.

  

P. Dehon, homem de Igreja renovada e renovadora, homem da Igreja em permanente renovação, homem da Igreja do futuro, homem da Igreja que vive da tensão dinâmica e profunda entre a dimensão espiritual-mística e a dimensão de compromisso social.

P. Dehon, homem de Igreja que procurou realizar sem cessar o sonho de uma nova Igreja, de uma Igreja renovada no seu espírito e nos seus membros e renovadora das instituições eclesiásticas e sociais, uma Igreja em atitude de humilde e constante conversão.

P. Dehon, homem de Igreja que deve estar em constante actualização, não para seguir a moda de cada época, mas na atenção aos sinais dos tempos em cada época, às ideias novas que vão surgindo, na linha da promoção da dignidade da pessoa humana, nos seus direitos e deveres fundamentais.

P. Dehon, homem de Igreja em atitude de missão, profética e profetizadora, evangelizada e evangelizadora, catequizada e catequizadora, em formação e formadora, uma Igreja de vanguarda, que irradia a luz do Coração de Cristo, que aponta caminhos e não se esconde debaixo do alqueire, isto é, nas suas sacristias e templos.

P. Dehon, homem de Igreja aberta às culturas diversas onde se encontra, levando a mensagem espiritual e social do Evangelho, no respeito pela riqueza de cada cultura e das outras religiões.

P. Dehon, homem de Igreja do povo, que vai ao povo, como Povo de Deus, que reza, que ama, que celebra, que vive a comunhão.

P. Dehon, homem de Igreja de uma Igreja de „participantes”… e não uma Igreja de „porta-vozes” que se destacam da vida da comunidade, como se fosse uma Igreja de „representantes” e „assistentes”.

P. Dehon, homem de Igreja jovem, alegre, festiva… e não de uma Igreja estagnada, passiva, triste, encerrada nas suas instituições burocráticas.

P. Dehon, homem de Igreja de fiéis, comunidade de irmãos, leigos, sacerdotes, religiosos, praticando a mesma fé em formas e funções diversas, de uma Igreja de baptizados praticantes na vida de cada dia e na celebração… e não de uma Igreja piramidal, demasiado institucional e clericalizada, de baptizados sem evolução da fé.

P. Dehon, homem de Igreja comunhão, que é simultaneamente universal e local, que vive do Amor do Pai, da Comunhão do Coração de Cristo e da força do Espírito, do Evangelho e da Eucaristia.

P. Dehon, homem de Igreja de Profetas do Amor e Servidores da Reconciliação, construindo sempre mais a Civilização do Amor e o Advento dos valores do reino do Coração de Cristo nas pessoas e na sociedade.

P. Dehon, homem de Igreja, que traz o passado ao presente, abrindo cada vez mais o nosso olhar ao futuro…

P. Dehon, homem de Igreja do Concílio Vaticano I, apontando novas perspectivas para o Concílio Vaticano II, rumo ao terceiro milénio que começa.

 

A IGREJA QUE SONHAMOS (Cardeal MARTINI)

Unidos a outros cristãos neste início do século, queremos traduzir a esperança que nos vem da visão do futuro e que assenta no poder de Deus e na força construtiva das bem-aventuranças.

Graças ao Espírito do Pentecostes, também nestes dias, os jovens e menos jovens têm „sonhos e visões”…

Esta é, pois, a Igreja que sonhamos:

uma Igreja plenamente sujeita à Palavra de Deus, alimentada e libertada por ela;

uma Igreja que põe a Eucaristia no centro da sua vida, contempla o seu Senhor, realiza tudo o que faz „em memória d'Ele” e tem por modelo a sua capacidade de doação;

uma Igreja que não receia usar estruturas e meios humanos, dos quais se serve, sem deles se tornar serva;

uma Igreja que deseja falar ao mundo de hoje, à cultura, às diferentes civilizações, com a palavra simples do Evangelho e com as obras que ele inspira;

uma Igreja aberta aos sinais da esperança do Espírito, onde quer que aflorem;

uma Igreja consciente do caminho penoso e difícil de muita gente de hoje, dos sofrimentos quase insuportáveis de grande parte da humanidade, sinceramente participante nas penas de todos e desejosa de aliviá-los;

uma Igreja que leva a palavra libertadora e encorajadora do Evangelho aos que andam sobrecarregados de fardos pesados e que sabe descobrir os novos pobres;

uma Igreja de rosto materno, espaço de acolhimento para o homem e a mulher transviados, capaz de ilimitada misericórdia e compreensão pelo seu erro, pela sua solidão, pelos seus preconceitos, pelas suas dificuldades;

uma Igreja que não privilegia nenhuma classe de pessoas, que acolhe igualmente jovens e idosos, que educa e forma todos os seus filhos na fé e na caridade, e deseja valorizar todos os serviços e ministérios na unidade da comunhão;

uma Igreja humilde de coração, unida e compacta na sua disciplina, na qual o primado pertence unicamente a Deus;

uma Igreja que faz um paciente discernimento, avaliando com objectividade e realismo a sua relação com o mundo, com a sociedade de hoje; que impele os cristãos à participação activa e à presença responsável, com respeito e deferência para com as instituições, mas que recorda bem a palavra de Pedro: „é melhor obedecer a Deus do que aos homens” (Ac 4,19).

 

Para reflectir:

Que aspectos desta imagem „sonhada” da Igreja precisam de uma maior atenção para que sejam realizados?

Que outros „sonhos” acrescentaria?…

Que dizem os homens e mulheres do nosso tempo da Igreja de hoje? E eu, como penso a Igreja, como a vivo e celebro?

Do estudo que fiz do P. Dehon, homem de Igreja, que aspectos se aproximam mais desta „imagem sonhada da Igreja” do cardeal Martini?

 

A IGREJA QUE SONHAMOS PARA O TERCEIRO MILÉNIO

(Adélio Torres Neiva)

 

A viragem de um milénio é para alguns uma fronteira que assusta: centenas de seitas na América estão já a preparar o fim do mundo.

Para a Igreja o novo milénio pode ser o fim de um ciclo mas é sobretudo uma janela aberta ao sonho e à esperança.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio será antes de mais nada uma IGREJA CONTEMPLATIVA. Uma Igreja sem a paixão por Jesus Cristo, que não dê todo o relevo à oração e ao diálogo com Ele, uma Igreja que não tenha tempo para a contemplação e a intimidade com Deus, é uma Igreja que recusa o futuro: fica-se na periferia do mistério.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio é uma IGREJA ABERTA AO ESPÍRITO e às novidades de Deus. Este Espírito é criativo, por vezes desconcertante, pródigo em carismas e dons. Ele abre os caminhos da História, provocando novas fidelidades e novas respostas para cada grito da humanidade.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio é uma IGREJA COMUNHÃO, de mãos dadas na pluralidade de ministérios e na unidade de vocação. É uma Igreja onde a corresponsabilidade une mais que a ordem, o estímulo mais que a imposição, o amor mais que a concorrência.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio é uma IGREJA SIMPLES E HUMILDE, mais preocupada com o serviço do que com o poder, mais aberta à ternura e ao perdão que à condenação e à selecção. Igreja toda feita para acolher e para partilhar.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio será uma IGREJA DE LEIGOS. Os leigos serão os grandes protagonistas da sua caminhada. A Igreja do segundo milénio foi sobretudo a Igreja dos padres e dos religiosos, a Igreja do terceiro milénio será a Igreja do povo de Deus, leigos na sua grande maioria. Uma Igreja onde a mulher tenha direito ao seu protagonismo.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio será uma IGREJA MISSIONÁRIA. Se até aqui, na área da missão, o povo de Deus era concebido em função dos missionários, agora serão os missionários que estarão ao serviço do povo de Deus. Para tornar este povo „missionário por natureza”.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio será uma IGREJA PROFÉTICA. Que anuncie o Evangelho sem medos a acautelar nem privilégios a defender. Que dê a vida pela justiça e pela salvaguarda da dignidade da pessoa humana, que tenha a coragem de contrapor ao materialismo envolvente o testemunho de uma vida onde as pessoas possam reconhecer o Evangelho de Jesus Cristo.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio será uma IGREJA POBRE E INCULTURADA. Sensível às periferias e aos excluídos da sociedade, de portas sempre abertas aos que não podem competir. Respeitadora das culturas e falando a linguagem do povo que lhe dá rosto.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio será uma IGREJA SAMARITANA E PEREGRINA. Sempre a caminho, misturada na história dos homens e das culturas, sem outra agenda que não seja a dos homens que encontra. Com tempo para parar junto deles e cuidar das suas feridas, sem horas marcadas para o fim da viagem.

A Igreja que sonhamos para o terceiro milénio será a IGREJA DAS BEM-AVENTURANÇAS. Simples e transparente como a água das nações. Mais misericórdia que juiz. Com largos espaços para a liberdade e para a diversidade. A Igreja de Jesus Cristo, sempre renovada nas águas da Montanha.

 

Para reflectir:

Reflecte sobre estes sonhos-realidades…

Selecciona os que te parecem mais pertinentes e urgentes hoje e amanhã, nesta viragem de século e de milénio…

Completa a tua lista de sonhos:

Uma Igreja serva e servidora…

Uma Igreja reparadora no amor a Deus e aos irmãos…

Uma Igreja reconciliada e reconciliadora…

Uma Igreja evangelizada e evangelizadora…

Uma Igreja catequizada e catequizadora…

Uma Igreja profética e profetizadora…

Até que ponto revejo neste texto as dimensões acentuadas pelo P. Dehon na sua vida como homem de Igreja?

PARÁBOLA DAS 4 PORTAS

- situar a missão da Igreja no mundo -

(adaptado de Henri Denis)

 

A Igreja é um templo com 4 portas.

Jesus de Nazaré, o Cristo, é a sua pedra angular.

Sobre esta pedra, colocaram-se os alicerces:

a fé de Maria, o ensino dos Apóstolos.

O templo foi-se edificando com pedras vivas.

A construção é permanente durante séculos e séculos.

Este templo é a Igreja:

somos o templo do Deus vivo.

A entrada no templo dá-se através de 2 portas.

Uma chama-se MISTÉRIO, a outra INSTITUIÇÃO.

Porém, quem entra no templo, é logo convidado a sair.

As portas de saída também são duas.

Uma chama-se MISSÃO, a outra REINO.

No templo, entra-se para sair e sai-se para entrar.

Não é um cofre, nem uma arca, nem um bunker.

Nem sequer um paraíso,

nem uma mera ponte ou um edifício ornamental.

No templo, nota-se um admirável dinamismo,

onde se harmoniza o aparentemente contraditório.

Todos estão a caminho, em permanente movimento.

No templo, há dois eixos:

o centrípeto,

para o qual conduzem as portas de entrada

(criam comunhão e identidade)

e o centrífugo,

para o qual conduzem as portas de saída

(responsável pela dispersão da Igreja

e sua missão no mundo).

Cada um pode escolher, para começar,

a porta de que mais gostar,

a que lhe pareça mais fácil e acessível,

mas com a condição de ir buscar em seguida

as chaves das outras portas.

 

SENTIDO DE IGREJA NO PADRE DEHON

(extracto da Carta Circular do Superior Geral

por ocasião do 150º aniversário do nascimento do P. Dehon)

 

Uma característica marcante da experiência de fé do P. Dehon é a sua eclesialidade. Ele viveu e agiu bem no coração da Igreja.

Sofreu perante as insuficiências pastorais da Igreja do seu tempo. Assistiu com dor à crise de autoridade e à crescente ruptura entre a Igreja e o mundo novo que estava a nascer. Sofreu, em sua obediência leal, ao aceitar com fé as intervenções do Magistério, como discernimento dos próprios passos e opções. Amou apaixonadamente a Igreja e lutou por uma Igreja renovada, aberta aos sinais dos tempos e inserida no meio do povo.

Viveu sempre, em todas as circunstâncias, uma adesão filial à Igreja; tornou-se mensageiro intrépido da palavra do Papa.

Por isso, é com toda a convicção e a partir de uma experiência sofrida que recomenda afeição à Igreja concreta: „Amemo-la em si mesma, no seu chefe visível, nos seus ministros, nos seus ensinamentos, na sua liturgia, nas suas normas. Veneremo-la como nossa Mãe” (Directório Espiritual, VI, 24).

O ardor apostólico leva-o a fazer sua a solicitude pastoral da Igreja na acção missionária „ad gentes”. Com dez anos de fundação do Instituto, já envia os primeiros missionários. Evocando nos „Souvenirs” (1912) os trinta e cinco anos de apostolado da Congregação, faz uma menção especial ao apostolado missionário, „porque bem merece”, o que revela o carinho e a importância que lhe confere.

A comunhão eclesial é outro desafio da nova evangelização. É em Igreja que devemos evangelizar o mundo: „Como todo o carisma na Igreja, o nosso carisma profético coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje” (Const. 27; cf. LG 12). É «na» Igreja, onde nasce e é reconhecido o carisma dehoniano; é «para» a Igreja, isto é, ao serviço da sua missão evangelizadora no mundo, que o faremos frutificar; e é «com» a Igreja, quer dizer, no interior da comunhão eclesial, que ele encontra vitalidade e fecundidade renovadas.

É preciso, portanto, sentir com a Igreja e actuar em Igreja e para a Igreja; fazer nossos os seus problemas; ver o que interessa realmente à Igreja no seu todo; servir honestamente a Igreja.

Na hora de planificar os nossos empenhos apostólicos, não é suficiente ter presente a conformidade com o nosso carisma. Impõe-se ver quais são as reais necessidades da Igreja. A nova evangelização pede-nos hoje uma redefinição das nossas presenças. Os novos métodos e as novas expressões requerem uma pastoral qualificada, a coragem de assumir novos campos de evangelização e de se fazer presente nas situações de fronteira.

E permanece sempre actual o grande apelo da Missão „ad gentes”. Vivemos ainda hoje do impulso missionário dado à Congregação pelo Fundador. A maior das nossas actuais presenças missionárias foram assumidas estando ainda em vida o P. Dehon. É uma herança que absorve muitas forças. Mas não é razão suficiente para nos fecharmos a novos apelos. É questão de planificar e de estabelecer prioridades. O estilo de presença missionária hoje não é tanto questão de número. Além do mais, ainda será o generoso empenho missionário que dará vitalidade à Congregação e impulso à Família Dehoniana.

É dentro da Igreja, isto é, em plena comunhão com ela, que a Família Dehoniana deve oferecer o próprio contributo carismático, para o seu crescimento, ao serviço do mundo.

A Família Dehoniana não pode existir à margem da Igreja; só tem significado se plenamente inserida nela.

A falta de espírito eclesial é causa de paralisia e de ineficácia espiritual e evangelizadora; impede que a nossa vida seja atraente para outros; pode condicionar a generosidade de novas vocações e a formação dos jovens. O apelo vocacional está também estritamente ligado à clara imagem de maior identificação e empenho para com a Igreja real, nas suas pessoas e estrutura de serviço.

Certas críticas amargas e atitudes negativas para com a Igreja não serão, porventura, um sinal de que ainda não saímos da sacristia? Não serão uma forma de fugir do verdadeiro problema: o nosso temor e relutância em enfrentar os desafios da missão, hoje?

Segundo o carisma do P. Dehon

ESTAMOS AO SERVIÇO DA IGREJA,

PARTICIPANTES DA SUA MISSÃO

(alguns extractos das Constituições dos Sacerdotes do Coração de Jesus)

 

6. Ao fundar a Congregação dos Oblatos,

Sacerdotes do Coração de Jesus,

o P. Dehon quis que os seus membros unissem,

de forma explícita, a sua vida religiosa e apostólica

à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens.

Esta foi a sua intenção específica e originária

e a índole própria do Instituto (cf. LG e PC),

o serviço que é chamado a prestar à Igreja.

Conforme dizia o P. Dehon:

„Nestas palavras - ECCE VENIO… ECCE ANCILLA… -

encerram-se toda a nossa vocação, a nossa finalidade,

o nosso dever, as nossas promessas” (Dir. Esp. I, 2).

 

7. O P. Dehon espera que os seus religiosos sejam

profetas do amor e servidores da reconciliação

dos homens e do mundo em Cristo (cf. 2Cor 5,18).

Assim comprometidos com Ele,

para reparar o pecado e a falta de amor na Igreja e no mundo,

prestarão com toda a sua vida,

nas orações, trabalhos, sofrimentos e alegrias,

o culto de amor e de reparação

que o seu Coração deseja (cf. NQ XXV, 5).

 

26. Sacerdotes do Coração de Jesus,

vivemos hoje no nosso Instituto a herança do P. Dehon.

Somos religiosos consagrados ao Senhor pelos votos,

com uma espiritualidade reconhecida pela Igreja

- a do Fundador.

A seu exemplo e por graça especial de Deus,

somos chamados na Igreja a procurar e a realizar,

como único necessário,

uma vida de união à oblação de Cristo.

 

27. Esta consagração possui já, por si mesma,

uma real fecundidade apostólica.

Como todo o carisma na Igreja, o nosso carisma profético

coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus

no mundo de hoje (cf. LG 12).

 

31. Dentro do espírito de oblação e de amor

e segundo o P. Dehon,

fazem parte dessa missão a adoração eucarística,

autêntico serviço de Igreja (cf. NQ 1.3.1893)

e também o ministério entre os pequenos e os humildes,

entre os operários e os pobres (cf. Souvenirs XV),

para lhes anunciar as insondáveis riquezas de Cristo.

Em vista deste ministério,

o P. Dehon dá grande importância

à formação dos sacerdotes e dos religiosos.

A actividade missionária constitui para ele

uma forma privilegiada de serviço apostólico.

Em tudo isto, a sua preocupação constante

é que a comunidade humana, santificada pelo Espírito Santo,

se torne uma oblação agradável a Deus (cf. Rom 15,16).

 

32. A exemplo do Fundador,

sintonizando com os sinais dos tempos

e em comunhão com a vida da Igreja,

queremos contribuir para instaurar

o reino da justiça e da caridade cristã no mund

(cf. Souvenirs XI)

 

34. Realizamos o nosso serviço do Evangelho

na Igreja universal

em comunhão com os responsáveis das Igrejas locais.

Com eles, devemos procurar as modalidades

da nossa inserção na missão da Igreja

que nos permitam desenvolver

as riquezas da nossa vocação.

 

ALGUMAS QUESTÕES ACTUAIS

sobre a minha compreensão da Igreja comunhão

para reflexão pessoal ou em grupo,

tendo em conta o sentido eclesial do Padre Dehon

 

Vivo intensamente o mistério da Igreja na sua realidade de Igreja universal (em comunhão com o Papa) e na sua realidade de Igreja local-particular, nas dioceses, paróquias, grupos e movimentos?

Estou disponível para servir a Igreja? Como estou à disposição da minha paróquia, da minha diocese? Em quê? Em que espaços ou grupos? Com que atitudes?

Compreendo a Igreja como mistério, como comunhão, com o coração aberto, analisando-a, apreciando-a, encorajando-a, com o amor, a intensidade e o entusiasmo que nascem da contemplação dos mistério de Deus e da comunhão com Cristo realizada pela graça do Espírito Santo na Igreja?

Tenho verdadeiramente sentido comunitário? Vivo e celebro a minha fé em comunidade, em Igreja? Sinto que sou povo de Deus, que os outros que vivem e celebram a fé comigo são irmãos? Isso acontece no meu ser, na minha casa, na minha família? Ou às vezes vivo a minha fé na linha do „salve-se quem puder” e de modo demasiado individualista?

Participo em grupos comunitários de oração, de reflexão, de formação, no âmbito da minha paróquia, da minha diocese? Ponho os meus dons ao serviço da Igreja ou guardo-os passivamente só para mim?

Estou atento a que todos participem na vida da comunidade, em particular aqueles que geralmente estão mais marginalizados (crianças, jovens…)?

Participo interiormente e com expressões visíveis para que a liturgia, a oração, a celebração da fé… sejam vivências autênticas da Palavra de Deus na comunidade em que me situo? Pratico a minha fé pessoal e eclesial nos espaços da sociedade em que vivo e trabalho? Assumo atitudes de fraternidade, de reconciliação, de comunhão?

Que tradições, formulações, ritos, costumes… tomo como absolutos na minha comunidade, e que nem sempre vão ao encontro dos elementos essenciais da fé, do Espírito Santo, do Evangelho, da Eucaristia, do ministério pastoral? Sei ver o que é essencial na fidelidade a Jesus Cristo, à sua Boa Nova e à unidade da Igreja?

Percebo e adiro com o meu ser às propostas que são importantes para o crescimento da minha comunidade paroquial e diocesana? Ou às vezes fico pela „coisas miudinhas” que não fazem avançar?

Como Igreja que somos, às vezes não ficamos fechados ao mundo e à sociedade, sem dialogar, sem escutar e acolher, sem compreender os homens e as mulheres de hoje, nas suas situações concretas?

Sinto que a Igreja é reconciliada e reconciliadora, evangelizada e evangelizadora, aberta aos valores da cultura moderna, profeticamente anunciadora dos valores do Reino e denunciadora dos atentados à dignidade e à consciência do homem, na nossa Igreja e na nossa sociedade?

 

ALGUMAS SUGESTÕES DE LEITURA

BARBOSA, Manuel Joaquim Gomes, O P. Dehon e a Igreja. Notas introdutórias à leitura do „Diario del Concilio Vaticano I”, in Unânimes 1986, pp. 72-82.

CORBELLI Primo, Por uma civilização do amor. Perfil e imagem de um profeta. História do P. Leão Dehon SCJ (Loyola, S. Paulo 1990).

LEDURE Yves, A vida do P. Dehon (Província Brasileira Meridional, S. Paulo 1997).

MANZONI Giuseppe, Leão Dehon. Apóstolo do Coração de Jesus (Província Brasileira Meridional, S. Paulo 1984).

OLIVEIRA José Fernandes de (P. ZEZINHO), Por causa de um certo reino. História de Leão João Dehon e de sua incrível paz inquieta (Paulinas, S. Paulo 1978).

PERROUX André, A actualidade do P. Dehon, in Unânimes 1993, pp. 77-79.138-142.171-174.

RIBEIRO Fernando, P. Leão Dehon (Seminário P. Dehon, Porto 1993).

 

ALGUMAS SIGLAS UTILIZADAS

Diario - Diario del Concilio Vaticano II do P. Dehon.

Dir. Esp. - Directório Espiritual do P. Dehon.

NHV - Notes sur l'Histoire de ma vie (memórias do P. Dehon).

NQ - Notes Quotidiennes (diário deo P. Dehon).

OSoc. - Oeuvres Sociales do P. Dehon.

OSp. - Oeuvres Spirituelles do P. Deon.

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